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  • O que é o Estado de Israel e por que deve ser destruído?

    O que é o Estado de Israel e por que deve ser destruído?

    A lenda sionista conta que a criação de Israel foi como mais uma nação entre as que conseguiram sua independência política no pós-Segunda Guerra Mundial, com rebeliões ou guerras de libertação nacional contra seus colonizadores imperialistas. Índia, Indonésia, Argélia, Vietnã são alguns dos exemplos mais marcantes desse processo.

    Por: José Welmowicki e Alejandro Iturbe

    Em primeiro lugar, a implantação de Israel difere totalmente destes exemplos, pois ele é um enclave instalado na Palestina para defender o imperialismo em terras estratégicas e com base na transplantação de uma população externa à região, os judeus. Apoiada na perseguição antissemita, uma imigração, em especial da Europa oriental, é estruturada pela organização mundial sionista, financiada por milionários como Rothschild e estimulada por metrópoles como a Inglaterra, para garantir a fidelidade desses novos ocupantes a seus patrocinadores imperialistas. A comparação correta é com os colonos ocidentais implantados nos séculos XIX e XX, nas colônias, a exemplo dos ingleses na Rodésia (hoje Zimbábue) e nas Malvinas ou dos franceses na Argélia, africâneres no sul da África etc.

    Não por acaso, as potências imperialistas os promoveram, e os líderes de todas essas empresas colonizadoras, como Cecil Rhodes, respeitavam-se e tiveram relações políticas. Não são uma nacionalidade local que é oprimida pelos impérios, mas uma população estrangeira que se instala nas terras dos nativos e exerce um papel opressor e a serviço de seu imperialismo nessa área. Como são transplantes de uma minoria colonizadora, para manter-se, tem um caráter racista e militarista, assim como eram o governo branco da Rodésia, os colonos franceses na Argélia e a África do Sul do apartheid.

    O Estado de Israel serviu para as grandes potências imperialistas disporem de um cão de guarda numa região estratégica, o Oriente Médio. O líder sionista Chaim Weizmann, depois presidente de Israel, chegou a garantir ao imperialismo inglês no fim da Primeira Guerra Mundial: “uma Palestina judaica seria uma salvaguarda para a Inglaterra, em particular no que diz respeito ao canal de Suez”. Apoiado nessa população de colonos que se deslocaram para a Palestina atraídos pela pregação sionista, Israel sempre se comportou de acordo com esse projeto e a essa finalidade.

    Um Estado racista

    Israel, desde sua fundação, constitui-se como Estado racista, tanto no plano ideológico quanto no legislativo. Israel é oficialmente um Estado judeu, ou seja, não de qualquer habitante que ali resida, mas somente daqueles que se consideram da fé ou de descendência judaica. Para ficar mais inequívoco este caráter, 90% das terras se reservam exclusivamente para os judeus via Fundo Nacional Judaico, que, por estatutos, não pode nem vender, nem arrendar, nem sequer permitir que essa terra seja trabalhada por um “não judeu”. Mais ainda, proíbe-se aos palestinos qualquer compra ou mesmo arrendamento das terras anexadas pelo Estado desde 1948.

    Ao mesmo tempo, os judeus do mundo inteiro podem legalmente emigrar e obter, com a nacionalidade israelense, um sem número de privilégios sobre os nativos não judeus. Desde sua fundação, existe um sistema de discriminação racial que domina absolutamente todos os destinos das vidas palestinas; o que se diria hoje de um país que tivesse como política oficial a expropriação de terras de judeus ou que simplesmente proibisse que um cidadão de seu país pudesse assentar-se nele se se casar com uma mulher judia? Obviamente se diria tratar-se de um flagrante caso de discriminação, de antissemitismo e seguramente seria comparado com o nazismo ou com o apartheid sul-africano. No entanto, isso em Israel é legal por meio de uma série de instituições e leis que restringem somente os cidadãos não judeus de Israel.

    Dentre essas leis, destacam-se algumas. A Lei de Nacionalidade estabelece nítidas diferenças na obtenção da cidadania para judeus e não judeus. Pela Lei de Cidadania, nenhum cidadão israelense pode casar-se com um residente dos territórios ocupados da Palestina; em caso de se realizar a união, os direitos de cidadania em Israel se perdem, e a família, se não for separada, deve emigrar. Pela Lei de Retorno, qualquer judeu do mundo pode ser cidadão israelense. No caso dos cidadãos palestinos do Estado de Israel que têm familiares no estrangeiro, estes não podem obter o mesmo benefício somente pelo fato de não serem judeus. A Lei do Ausente permite a expropriação de terras que não tenham sido trabalhadas durante um tempo. Paradoxalmente, nunca foi expropriada a terra de um judeu, e a maioria delas foram expropriadas de refugiados palestinos no exílio, assim como de palestinos cidadãos de Israel e todo palestino que, residindo na Margem Ocidental, tenha terras na área ampliada de Jerusalém.

    Estas leis – apenas uma parte do total utilizado exclusivamente contra a população árabe em Israel – não só tem um elemento econômico importante (pela perda de numerosas extensões de terras), mas principalmente possuem um componente social: a divisão de famílias, forçando-as a emigrar. Começou a ser denunciado o fato de impedir até mesmo a realização de casamentos entre pessoas não judias que habitem áreas distintas dos territórios ocupados ou até mesmo a reunificação de famílias, marido e mulher, pais e filhos:

    Em 2000, similarmente eles “reavivaram” regras que foram tomadas com respeito aos palestinos cujos cônjuges eram cidadãos de países árabes, ou seja, não ocidentais. Eles não tiveram permissão para retornar a suas casas. Entre 1994 e 2000, durante os anos de Oslo, foram dadas instruções para atrasar o processo de “unificação familiar”, pelo qual dezenas de milhares de famílias nos territórios ocupados estão esperando, a um mínimo. Estas famílias não estão morando em Haifa ou Ashkelon, mas na Margem Ocidental e na Faixa de Gaza.

    Os postos de controle “só para palestinos”, com as esperas propositais e irritantes nas suas entradas impostas pelo exército de ocupação, contrastando com as modernas e livres estradas “só para judeus”, são outro elemento de exasperação para fazer com que os palestinos desistam de ali ficar, mas ao mesmo tempo de revolta profunda.

    A construção do Muro ao largo e dentro dos limites municipais de Jerusalém impedirá definitivamente a volta dos palestinos expulsos de Jerusalém pelo confisco de suas terras, a demolição de suas casas ou pressões de grupos de colonos extremistas. Perderão seus direitos de residência permanente em Jerusalém segundo a política do “centro de vida” e nunca mais poderão entrar na cidade sem permissões especiais. As propriedades que tiverem abandonado em Jerusalém podem ser desapropriadas segundo a lei israelense de Proprietários Ausentes.

    Uma sociedade cada vez mais violenta e militarizada

    Um Estado como o israelense necessita exercer a violência contra a população dominada de forma permanente. Para manter seu caráter colonial e racista, ele não pode tolerar resistência interna nem desafios em suas fronteiras. Tem que ser expansionista e reprimir qualquer mínima contestação à sua natureza.

    Desde sua fundação, a fim de impor a ferro e fogo sua natureza racista, Israel praticou uma permanente limpeza étnica dos palestinos arrancando-os de suas terras ancestrais. Por isso, sempre teve como política consciente agredir os vizinhos árabes, tanto para arrancar terra e fontes de água quanto para impor a vontade imperialista na região, impedindo o desenvolvimento de qualquer nacionalismo que o ameaçasse, como fizeram com Nasser, e perseguindo de modo implacável os lutadores palestinos.

    Dos mais de dez mil presos políticos que apodrecem nos cárceres sionistas, centenas são menores. A tortura praticada sob autorização da justiça e os “assassinatos seletivos” nos territórios são a rotina que este monstro racista tem a apresentar como expressão de sua essência nazista. Isso porque, quando um Estado persegue um povo inteiro com objetivos de eliminar sua identidade, de torná-lo escravo ou expulsá-lo, não há outro nome a dar ao regime desse Estado.

    Para defender esse caráter do Estado, a população israelense vive sempre em pé de guerra. A população foi educada a estar sempre a serviço do Exército, pois só a força das armas pode garantir uma situação como essa. Por isso, as Forças Armadas são sua instituição mais importante. E o papel desse Exército é impor aos palestinos e povos vizinhos a submissão, o saque de suas terras, com o uso extremo da violência.

    Essas exigências permanentes em nome da “segurança de Israel” criam uma realidade de permanente chamado às armas. Todos os homens e mulheres servem respectivamente três e dois anos ao completar dezoito anos e são reservistas por quase toda a vida, fazendo treinamentos anuais de um mês. Mesmo assim, não conseguem a tão ansiada “segurança”. Até a primeira derrota, em 2000, ainda eram anestesiados pelo mito do exército invencível.

    A violência em Gaza ou na Cisjordânia não é noticiada em Israel. Afinal, os palestinos não são considerados seres humanos; serem mortos ou torturados pelas Forças Armadas, para o establishment, era uma decorrência do “direito de se defender”. Antes a questão nem entrava na pauta dos jornais israelenses, aparecia como um problema de polícia exclusivo dos territórios. Era preciso apenas impedir os atentados suicidas com mais repressão ainda e isolá-los totalmente, daí o projeto do “Muro da Vergonha”. O resto, o Tsahal (Exército) garantiria.

    A situação econômica é desastrosa. Israel só sobrevive graças ao sustento estadunidense. Sua economia gira totalmente em torno da guerra em detrimento de todos os demais setores. O que se vê é uma cultura militarista e sanguinária. Os mercenários israelenses são conhecidos no mundo inteiro, recrutados em guerras coloniais ou por ditaduras, caso semelhante aos mercenários sul-africanos.

    As divisões e desigualdades entre diferentes grupos da população e setores de imigrantes judaicos são patentes. Os judeus orientais ou sefaradis recebem melhor trato que os árabes israelenses, mas são discriminados em relação aos ashkenazis originais da Europa. A imigração de um milhão de russos (judeus ou supostos judeus) originou um clã pouco apreciado pelos outros grupos sociais, por sua fama de aproveitadores e permanentes negociadores de subsídios do Estado. Os partidos que os representam são de extrema direita e estão sempre a exigir suculentos cargos e negociatas para manter seu apoio ao governo de turno.

    Outro setor que cumpre um papel de parasita e é sustentação direta da extrema-direita religiosa e de seus políticos racistas e corruptos são os colonos que vivem nos territórios ocupados em 1967. Como se viu na “desocupação” de Gaza, seus interesses são exigir mais e mais regalias do Estado para ser a ponta de lança da colonização e da expulsão dos palestinos. Geralmente quem cumpre esse papel são os judeus das últimas levas de imigrantes a chegar a Israel, os russos ou orientais, aos quais o Estado sionista destina terras financiadas, subsídios, com a condição de que aceitem viver em bunkers ao lado da população árabe e ser ponta de lança para agredi-los, atacar seus olivais, fazer com que saiam das poucas terras que lhes restam.

    Por fim, nos últimos anos, tem havido uma população flutuante de imigrantes temporários ilegais trazidos dos lugares mais distantes e sem conexão com a região, como Filipinas e outros pontos da Ásia. Eles são trazidos para substituir a mão de obra palestina, à medida que o fechamento de fronteiras impede que eles trabalhem nas empresas dentro do território de 1948. Esses duzentos e cinquenta mil semiescravos não judeus são fundamentais em áreas como construção, mas não tem nenhum direito, são párias que deixam ainda mais precários os laços da sociedade em Israel, vivendo à sua margem.

    Apesar das crises e diferenças, os colonos defendem seu Estado

    Evidentemente, há um laço comum que liga todos os cidadãos judeus israelenses: eles sabem que de uma maneira ou de outra vivem do saque a outro povo e do apoio que têm do imperialismo para cumprir o papel de cão de guarda na região. Sabem que os povos árabes e muçulmanos são suas vítimas e temem que essa massa se una e os expulse. Por isso, a única coisa que sustenta hoje a coesão dessa sociedade racista e violenta é o medo do “inimigo comum”, o que é permanentemente lembrado com força pelos dirigentes israelenses de todas as cores. “Ou eles ou nós” é a mentalidade primitiva usada para manter a união, é o único nexo possível de união, ou “nosso direito à existência” enquanto Estado racista, enquanto privilegiados saqueando os nativos e explorando seus escravos.

    Devido a isso, a maioria dos israelenses está a favor da “separação” e da limpeza étnica de palestinos e da destruição do Hezbollah; apoiou a guerra contra o Líbano, inclusive seu caráter genocida. Por isso, a cada guerra, mesmo com as derrotas, os políticos que se fortalecem são os mais fascistas do espectro político sionista.

    Um exército em processo de corrupção

    Mas se é assim, por que a derrota abriu uma profunda crise? Porque mostrou que Israel é “um país vulnerável”. Que o Exército e a superioridade militar não lhes dão uma garantia eterna, e os refugiados de Haifa e do norte do país provaram na carne essa situação. E, depois de anos sem batalhas contra os exércitos árabes, já percebem que não conseguem enfrentar uma guerrilha. Uri Avnery, pacifista israelense da organização Gush Shalom escreveu um artigo em que faz um diagnóstico avassalador:

    “[…] a ocupação está corrompendo nosso Exército […] A última guerra séria de nosso Exército foi a Guerra do Yom Kippur (1973). Depois de vários importantes reveses, obteve uma vitória impressionante. Porém, quando isso ocorreu, a ocupação só tinha seis anos. Agora, trinta e três anos depois, vemos o dano feito pelo câncer chamado ocupação, que já se espalhou a todos os órgãos do corpo militar.

    Generais como Dan Halutz, comandante supremo que se preocupou em lucrar na Bolsa no mesmo dia em que se decidia a invasão, são um sintoma do grau de deterioração da moral e das relações nas antes incensadas cúpulas das Forças Armadas israelenses.

    Avnery refere-se ao fato de que a descomunal desigualdade entre as Forças Armadas sionistas e os resistentes palestinos levou os oficiais e soldados israelenses a se acostumarem durante vários anos a atacar seus alvos sem ter de se preocupar com a resposta, como os pilotos da força aérea que bombardearam e assassinaram à vontade sem correr riscos. Mas agora eles têm de enfrentar uma verdadeira guerrilha, e aí não têm moral nem treinamento necessários:

    Durante trinta e nove anos, foram obrigados a realizar o trabalho de uma força policial colonial: correr atrás de meninos que atiram pedras e coquetéis molotov, arrastar mulheres que tratam de impedir que prendessem seus filhos, capturar pessoas que dormem em suas casas.

    O problema é que isso vale não somente para os que perseguem palestinos nos territórios ocupados, é a característica intrínseca de um Estado policial colonial. E, para um enclave, ter um problema dessa gravidade em suas Forças Armadas é aterrador, gera uma insegurança em todos os níveis da sociedade. À medida que a realidade vai se mostrando cada vez mais perigosa como tendência, muitos israelenses se cansam deste ambiente, fato que se traduz num número não desprezível de fugas. Eesconde-se essas cifras cuidadosamente, mas já são um fato: um número considerável de israelenses, muitos deles da elite intelectual e profissional, busca uma solução individual para sair do inferno da guerra permanente migrando. Esses migrantes saem com discrição, alegando ir estudar ou trabalhar no estrangeiro (principalmente Estados Unidos e Europa), mas muitos ficam fora e só visitam o país brevemente para ver as famílias.

    Na propaganda sionista, nem se menciona esse fato; só se mostram os novos imigrantes judeus que chegam para se fixar em Israel, chegando ao aeroporto mesmo durante a guerra, tentando demonstrar uma ardente fé sionista. Outra cifra que vai aumentando é a deserção não explícita, saída de jovens em idade militar, que tratam de evitar as frentes e o serviço em territórios palestinos ou libaneses.

    O povo israelense e seus operários podem se voltar contra o sionismo?

    As crises em Israel e em especial no Exército são muito importantes porque debilitam o Estado, abrem brechas para que a resistência possa golpear e preparam sua derrota. Contudo, não pensemos que se trata de um país normal, inclusive se o compararmos com um país imperialista. Aqui a população é formada por colonos que dependem da manutenção do Estado racista para manter seu nível de vida e sua proteção contra as reivindicações dos povos espoliados. Vejamos o que conta uma crônica de uma militante espanhola que passou várias semanas com os palestinos e depois em Israel e nas colônias sionistas da Cisjordânia:

    “[…] o sentimento de prepotência e superioridade dos israelenses e sua concepção dos palestinos e árabes em geral como seres inferiores, incivilizados, violentos e aos quais temem de uma forma totalmente irracional. Este sentimento se aguça durante o serviço militar e pode ser percebido com toda sua crueza em cada um dos checkpoints que se precisa atravessar. É habitual ver como os soldados tratam os palestinos como animais.

    Ao visitar uma colônia na Cisjordânia, ela relata:

    O que se vê e se sente quando se passeia por ali é que são lugares sem alma. São lugares tão artificiais, tão alheios ao entorno que os rodeia, que indubitavelmente a maneira mais acertada de qualificá-los é de “câncer”. Câncer, como tecido que cresce totalmente diferente do tecido sobre o qual se localiza e que, além disso, é daninho e pode ser letal. Outra coincidência entre as colônias e o câncer é seu tratamento. Seu tratamento não pode ser outro que a destruição desse novo, alheio e daninho tecido, sua destruição ou sua extirpação radical. E não há outra saída.

    A chantagem do antissemitismo

    Desde que Israel surgiu, seus dirigentes e o sionismo utilizaram a chantagem do Holocausto nazista para impor sua política. Frente ao massacre nazista, a comoção mundial foi utilizada pelo sionismo para vender a ideia de que a única saída para a perseguição era a criação de um Estado judeu na Palestina. Esse Estado seria um refúgio e a única garantia de paz e segurança para todos os judeus do mundo. Essa gigantesca falácia agora se mostra em toda sua crua realidade. Ao se basear na espoliação de outro povo – o palestino –, ao se converter neste monstro colonial, racista e opressor, transformou-se hoje na “maior fábrica de vírus do antissemitismo” segundo a expressão de Uri Avnery.

    No entanto, os sionistas não desistiram de usar o fantasma do antissemitismo, agora para impedir a divulgação e tirar a atenção de sua crueldade com os palestinos ou pelo menos inibir as críticas e incitar mais judeus a se instalarem em Israel “para defender seu único refúgio”. Mas a chantagem do antissemitismo, esse terrorismo intelectual e moral, essas constantes mentiras fomentadas pelos políticos imperialistas e pela mídia servem para tentar calar os críticos. A manipulação permanente, pelos sionistas, quanto ao genocídio dos judeus também acaba por se desgastar.

    O estudo do nazismo e do ascenso do fascismo mostraria que ele foi tolerado e estimulado pelos regimes “democráticos” dos países imperialistas, pois esperavam que eles pudessem reprimir seus movimentos operários e invadir a urss. E que o sionismo da época foi cúmplice e nada fez para salvar os judeus da Europa ocidental das câmaras de gás.

    Agora, em nome de evitar o antissemitismo, querem que se avalizem os métodos genocidas de Israel, se calem perante os crimes de Israel e sobre o local onde está o verdadeiro fascismo de hoje.

    A polêmica sobre a natureza e a solução para a Palestina

    Podemos dizer que é cada vez maior o número dos que se horrorizam com a ação genocida de Israel, repudiam os assassinatos e buscam uma saída para essa situação permanente de guerra na região. Entre eles, há três posições sobre qual deve ser a saída.

    A mais difundida era a solução dos “dois Estados”, um judeu e outro palestino, no mesmo sentido da proposta da onu de 1948. Desde os acordos de Oslo, havia uma pressão muito forte para que os palestinos aceitassem essa solução, e a traição da OLP, sob a direção de Arafat, permitiu a implantação deste “engendro”, a ANP, que legitima Israel e se coloca a tarefa impossível de articular um “Estado” de bantustões totalmente dominados nos planos econômico e militar pelo opressor racista. Como bem classificou Edward Said na época, algo como o governo colaboracionista de Vichy sob a dominação nazista na França. Essa alternativa seria a coexistência lado a lado de um Estado racista e outro das populações excluídas, ou seja, do câncer ao lado do tecido vivo.

    Porém, depois de quase quinze anos de Oslo, alguns de seus partidários na esquerda começaram a ver que a proposta é cada vez mais inviável, por conta da própria ação de Israel, que cada vez se apropria de mais terras e expulsa mais palestinos. O “Muro da Vergonha”, o roubo de mais da metade das terras da Cisjordânia, das fontes de água etc. inviabilizaram até mesmo o miniestado destinado aos palestinos em Oslo. O enclave sionista não aceita se retirar de territórios ocupados em 1967 nem dar nenhuma autonomia real aos palestinos, muito menos anexar os territórios dando direitos aos palestinos, pois temem o “perigo demográfico” de anexar três milhões de “não judeus”. Não se pode pôr um fim à política de apartheid imposta na Palestina por uma sucessão de leis e reformas pressionadas pela revolta palestina, algo como o que se passou no fim do apartheid na África do Sul.

    Voltamos a ter a grande questão colocada na ordem do dia: é necessário destruir o Estado de Israel e qualquer outra solução só fará perpetuar a opressão e a expansão do câncer. E essa destruição só pode ser feita pela luta política e militar unificada, não somente das massas palestinas, mas também das massas árabes e muçulmanas. Nessa luta, é positivo cada golpe infligido ao Estado e seu Exército e a aparição de uma insegurança que leva cada vez mais gente a pôr em dúvida sua estada lá. Só depois de anos de rebelião, ações guerrilheiras e uma campanha mundial a favor da independência da Argélia grupos fascistas como a OAS foram derrotadas, os colonos da França foram obrigados pela insurreição argelina a abandonar seus enclaves, e a Argélia pôde comemorar sua independência.

    Aqui entra outro problema: em Israel por sua natureza de Estado policial, todas as estruturas são parte do sistema militar, por isso todos os judeus lá são soldados na ativa ou na reserva até os cinquenta anos de idade. Um kibutz é uma fortaleza armada dos colonos; uma cidade israelense, o mesmo. O quartel-general está em Tel Aviv. Assim, qualquer estrutura do Estado é alvo necessário da guerra de libertação nacional. Os foguetes que caíram sobre as cidades do norte são uma arma legítima da resistência e, ao abater o moral dos colonos, ajudam o objetivo de destruir o Estado genocida. Ademais, esse foi o efeito dos que atingiram Haifa ou outras cidades. Nada mais injusto que o “meio justo” da Anistia Internacional, que condena os dois lados por igual, por “crimes de guerra”. Essa destruição do Estado de Israel permitiria a recuperação do território histórico da Palestina e a construção de uma Palestina laica, democrática e não racista, antiga reivindicação da OLP dos anos 1970. Nessa Palestina, sem muros nem campos de concentração, os milhões de refugiados poderiam retornar e todos os judeus que quisessem viver em paz poderiam permanecer da mesma forma como durante muitos séculos viveram no mundo árabe.

    Publicada em outubro de 2006 na revista Marxismo Vivo N. 14, e no E-book O Oriente Médio na perspectiva marxista, Ed. Sundermann.

  • Gaza e eleições confirmam a natureza racista e genocida de Israel

    Gaza e eleições confirmam a natureza racista e genocida de Israel

    Fica cada vez mais difícil negar o verdadeiro caráter do Estado de Israel. Depois do massacre na Faixa de Gaza em dezembro de 2008 e as recentes eleições que deram a vitória às forças mais direitistas, já não resta muita dúvida de que esse é um Estado a serviço do imperialismo no Oriente Médio, construído e assentado sobre a força das armas e do apartheid. Os que advogam um caráter democrático para Israel, ou mesmo um caráter “socialista” e os que usam termos como “lar” e “terra santa” para referir-se a esse Estado, têm a obrigação de explicar os atos cometidos pelos sucessivos governos israelenses.

    Por: José Welmowicki

    O mundo terminou o ano de 2008 vendo pela TV imagens de crianças mutiladas, ruas cobertas de sangue, famílias destruídas, casas e prédios transformados em escombros em Gaza. Em dezembro, durante 22 dias, as forças armadas sionistas, com aviões despejando bombas de alto poder destrutivo e lançando mísseis de artilharia, além do emprego de armas proibidas pelas convenções de Genebra, como as bombas com fósforo branco, arrasaram a Faixa de Gaza. Contaram-se 1285 habitantes mortos. Desses, 111 eram mulheres e 280 crianças. Assassinaram pessoas que apenas andavam pela rua e usaram civis como escudos humanos de suas tropas. Bombardearam ambulâncias, escolas, hospitais, mesquitas, e prédios da ONU. Não são imagens inéditas. Já perdemos a conta de quantas vezes vimos esse filme onde os protagonistas são os soldados israelenses e as vítimas as populações palestinas, quase sempre desarmadas e indefesas. 

    A intenção do governo sionista da época, Olmert/Livni/Barak, foi derrotar a resistência palestina. Mas foi o que menos conseguiram. O que esse novo massacre, agora em Gaza, conseguiu, foi deixar o mundo indignado e estarrecido diante de tamanha brutalidade, selvageria e sangue frio com que Israel comete os seus crimes. Mas a barbárie israelense não foi suficiente para derrotar o povo palestino, que luta por sua terra. Enganam-se aqueles que pensam que esse genocídio foi fruto de uma conjuntura adversa de medo ao terror por parte de um governo específico, mais à direita, como o Kadima, que teria usado o “perigo dos mísseis de Gaza” para demonizar os palestinos. E que, ao perceber a verdadeira realidade, o israelense médio iria reagir e votar em setores mais dispostos à negociação.  Na verdade, havia uma pressão “popular” para ir mais fundo na eliminação do “perigo” representado por Gaza. Tanto que a invasão teve amplo apoio popular em Israel, e a falta de reação aos massacres, aliado ao crescente ódio aos palestinos refletiram-se nas eleições e deixaram claro que existe um acordo geral entre os judeus israelenses, com exceção de poucos indivíduos ou grupos, de livrar-se dos palestinos, expulsando-os ou eliminando-os. A situação interna é tão contrária a qualquer convivência pacífica com seus vizinhos e com os palestinos, que quem se expressa contra a limpeza étnica é ameaçado de punição ou eliminação, o que faz com que alguns deles tenham preferido viver no autoexílio, como o professor Ilan Pappé, autor do livro A limpeza étnica da Palestina. 1

    As eleições como expressão desse sentimento

    Isso ficou expresso nas recentes eleições. Elas representaram um duro golpe à ideologia dos “dois Estados”. 2 Ao invés de alguma força moderada que pudesse salvar as propostas de “paz” e dos dois Estados, o resultado das urnas mostrou a dimensão da adesão da população israelense ao racismo e o desprezo aos palestinos. Os vencedores da eleição são uma variante de correntes de ultradireita, algumas abertamente fascistas e racistas. Tanto que Uri Avneri, veterano pacifista israelense defensor da tese dos dois Estados e fiel à solução pacífica por dentro do sionismo, pergunta se não está na hora de encarar a realidade de uma irrupção do fascismo em Israel:

    O Estado de Israel aproxima-se de uma crise existencial-moral, política, econômica que o converteria em uma nação em perigo? É possível que Lieberman, ou alguém que tome seu lugar, seja uma personalidade demoníaca como Hitler ou Mussolini? Em nossa situação atual, há alguns indícios perigosos. A última guerra mostrou uma decadência maior de nossos padrões morais. O ódio à minoria árabe de Israel aumenta, bem como o ódio ao povo palestino ocupado, que sofre um lento estrangulamento.3 

    Embora Avneri encerre o artigo com otimismo, revela a real situação em Israel ao ser obrigado a colocar-se essa pergunta. A composição atual do governo israelense mostra que sua preocupação é justa. Publicamos abaixo um quadro, baseado no jornal israelense Haaretz (17/2/09):

    Fazem parte da coligação de governo os já descritos Likud (15 ministérios), Israel Beitenu (5), e Trabalhistas (5). Além deles, estão nela: o Shas, partido religioso de extrema-direita, que detém o Ministério do Interior, o Judaísmo Unido da Torá e o Lar Judaico (racistas ainda mais fanáticos que o Likud). Esses partidos têm em comum sua base nos colonos que vivem nos territórios da Cisjordânia, a defesa da expansão contínua dos assentamentos judeus nessa região e a ‘’judaização’’ de Jerusalém.

    Em última instância, o significado dessa eleição é que as ideias de Zev Jabotinsky, fundador do “sionismo revisionista”, estão totalmente em voga. Defensor declarado do fascismo nos anos 20 e 30, Jabotinsky defendia a necessidade de exercer uma estratégia de terror – a tal “muralha de ferro” – para impor a colonização aos palestinos:

    Não cabe pensar em uma reconciliação voluntária entre nós e os árabes, nem agora, nem em um futuro previsível. Todas as pessoas bem-intencionadas, salvo os cegos de nascimento, compreenderam há muito a completa impossibilidade de se chegar a um acordo voluntário com os árabes da Palestina para transformar a Palestina de país árabe em um país de maioria judia. (…) Portanto, a colonização somente pode desenvolver-se sob um escudo que inclua uma muralha de ferro que jamais possa ser penetrada pela população local. Essa é a nossa política árabe, formulá-la de qualquer outro modo seria hipocrisia.4

    Nessas últimas eleições, o eleitorado escolheu um novo parlamento cujos membros em sua ampla maioria são fascistas, como o Likud, cujo dirigente, Aryeh Eldad, propôs que a Jordânia se “transformasse” num Estado palestino e que concedesse a cidadania jordaniana aos palestinos da Cisjordânia. A proposta imporia a soberania israelense em “toda a Palestina do Mandato”, do rio Jordão até o Mediterrâneo, e prepararia o terreno legal e psicológico para a deportação final de cerca de 5,1 milhões de palestinos de sua terra ancestral. Essa era exatamente a proposta discutida nos congressos sionistas antes de 1948 (vide Box). 

    Somando-se as diferentes coalizões, 80% dos eleitos representam a continuidade da proposta de Jabotinsky. O primeiro-ministro Netanyahu é um herdeiro direto de Jabotinsky e dos terroristas do Irgun e da gangue Stern, responsáveis diretos pelo massacre de Deir Yassin em 1948. Ele foi apadrinhado pelos líderes paramilitares Beguin e Shamir, que comandaram os massacres de mulheres e crianças palestinas em 1948 e formaram o partido Herut, que depois se tornou o Likud. Tanto Begin como Shamir foram primeiros-ministros pelo Likud. Netanyahu defende a expansão das colônias judaicas na Cisjordânia e em torno de Jerusalém, iniciada pelos governos Sharon e Olmert, para dividir de vez os territórios palestinos e isolá-los uns dos outros. 

    No importante Ministério de Relações Exteriores está o partido Israel Beitenu (Israel Nossa Casa), dirigido por Avigdor Lieberman, que teve 15% dos votos e chegou a propor o lançamento de bombas nucleares sobre Gaza. Hoje propõe a transferência forçada dos árabes israelenses, os palestinos que vivem no território tomado em 1948 e a perda de qualquer direito aos que não reconhecem o “caráter judaico do Estado de Israel”. 5 O Beitenu descreve-se como “um partido nacional com a meta de seguir o corajoso caminho de Zev Jabotinsky”.

    Para a mídia ocidental, essa direitização seria compensada pela entrada dos trabalhistas no governo. Ainda vistos como de “esquerda” ou “centro-esquerda”, os trabalhistas são os mesmos que comandaram o massacre de Gaza via Ehud Barak, novamente Ministro da Defesa. Vários parlamentares do partido Trabalhista no governo dirigido pelo Likud votaram a favor do envio da proposta de Eldad ao Knesset, citada acima, para discuti-la mais adiante. Após servir para disfarçar a natureza do Estado de Israel, dirigido por ele nos seus primeiros 40 anos, passados 60 anos de sua criação, o sionismo “de esquerda” é uma fraude tão descarada que não tem mais espaço para se postular aos olhos do mundo como alternativa negociadora e “pacifista”. Sua derrota patética e a perda até mesmo do 3º lugar para o Beitenu demonstram que, para o eleitorado israelense, se é necessário defender o caráter racista do Estado, é melhor escolher quem fala claro e quer ir ainda mais fundo na limpeza étnica.

    Apesar de ter sido o partido mais bem votado, o Kadima não pôde formar o  governo por não contar com uma coalizão suficiente. Esse partido foi criado por Sharon, o genocida de Sabra e Chatila, e Ehud Olmert. Sharon também foi membro do Likud e defensor das ide ias de Jabotinsky, Begin e Shamir, além de responsável direto pela unidade 101 do exército, que praticou o massacre de Kybia em 1953. O governo do Kadima, com Olmert e Tzipi Livni à frente, foi o responsável pelo bloqueio genocida de Gaza e pelo recente massacre.

    Os partidos de base judaica que seriam mais “democráticos”, tidos pela imprensa ocidental como de centro-esquerda (Meretz, por exemplo) e que têm um discurso que fala de paz, não têm praticamente eleitores. Os únicos partidos que questionam até certo ponto o status racista têm sua base entre os árabes israelenses, cerca de 20% da população. São eles o Hadash, Balad e Lista Árabe Unida, cuja votação é concentrada nos eleitores árabes. Nesta eleição, esses partidos só foram autorizados a concorrer na última hora, devido a uma sentença da Corte Suprema. Por isso, quase a metade dos eleitores árabes israelenses não votaram. Agora, para demonstrar o caráter da “democracia israelense”, estão sob a ameaça da nova lei, que exige a aceitação do Estado de Israel como de uma “raça”, e a proibição de comemorar a Nakba. 

    Uma crise mais profunda

    Netanyahu introduz uma mudança em relação ao governo de Olmert/Livni: um discurso  direto contra qualquer tipo de Estado ou Autoridade palestina; ao contrário do que os EUA e a União Europeia gostariam, ele afirma abertamente que nem sequer se deve pensar em uma entidade palestina que leve o nome de “estado”. Seriam aceitáveis apenas “áreas econômicas” sem continuidade e estranguladas pela expansão dos assentamentos de colonos, do Muro da Vergonha e das estradas exclusivas a judeus construídas na Cisjordânia. Continua com a política de bloqueio a Gaza, que deve ser condenada a um cerco até que se renda ou seus habitantes saiam do território palestino. Netanyahu tenta diluir o problema para sair do isolamento, apontando suas baterias para o perigo do Irã e de sua política nuclear, como já faziam Olmert e Livni.

    Ao contrário do que poderia parecer à primeira vista, essa posição não é a de um país em processo de fortalecimento. Israel vem sendo derrotado militar e politicamente. Tenta se contrapor a uma possível negociação de Obama com o  Irã, que poderia dar mais peso à negociação e ameaçar sua hegemonia militar absoluta. A preocupação de Obama e dos governos imperialistas da Europa é que tal posição seja fatal para o próprio Israel, que este una os povos árabes cada vez mais contra si até sua situação ficar insustentável.

    Por isso, Obama identificou esse como um dos problemas mais graves para o novo governo dos EUA. Afinal, ele tem que governar os EUA depois da derrota da política mundial de “guerra ao terror”, simbolizada pela débacle de Bush frente à resistência dos povos e frente ao crescimento do repúdio ao imperialismo norte-americano. Por isso, tem que apelar muito mais à retórica dos planos de paz, da solidariedade, falar em um novo “diálogo” entre os povos. Sobretudo no Oriente Médio. O resultado são os choques com o governo israelense, encabeçado por forças que não têm a mesma preocupação tática dos trabalhistas de outrora. Estes faziam toda uma encenação para aparecer como “pombas”, enquanto massacravam os palestinos, expandiam os assentamentos de colonos, torturavam e deixavam apodrecer os lutadores palestinos nas prisões. Obama quer convencer Netanyahu que, frente ao isolamento de Israel, seria melhor voltar à prática tradicional desses governos trabalhistas da década de 90 e mesmo do Kadima: falar em processo de paz e em Estado palestino, enquanto continuam a praticar o roubo das terras palestinas e a limpeza étnica. A posição de Netanyahu, aceitando um Estado palestino desde que não tenha qualquer instituição própria, renuncie a Jerusalém e ao direito de retorno dos refugiados, deixa até mesmo o colaboracionista Mahmoud Abbas balbuciando que a defesa de tal proposta é insustentável.  

    Obama sustenta Israel com uma face mais negociadora

    Qual a lógica dessa mudança tática? A política para o Oriente Médio tem que ser modificada para garantir a supremacia imperialista. Trata-se de conseguir via negociação e chantagens, elogios e ameaças, o que a invasão militar não arrancou.  

    O discurso de Obama na Universidade do Cairo em junho foi a expressão dessa nova cara do imperialismo, preparado habilidosamente para criar esperanças na população árabe e muçulmana, aproveitando-se da nova imagem do presidente recém-empossado. Só que o limite para essa mudança está dado pelo vínculo entre EUA e Israel, que faz com que seu limite máximo seja a retomada da política dos dois estados, que levou aos acordos de Oslo. Tal política levou Arafat a trair a causa palestina e a criar no lado palestino um simulacro de governo completamente servil a Washington e ao sionismo, do qual seu sucessor, Mahmoud Abbas, é a expressão mais ultrajante.

    Como disse Ali Abunimah, da Electronic Intifada, referindo-se ao discurso de Obama no Cairo, é como “Bush em pele de cordeiro”. Sem deixar nenhuma das apostas estratégicas do imperialismo, Obama precisa mostrar um rosto amigável, aproveitando sua origem étnica e as relações familiares que teve com a cultura muçulmana. Por isso, pressionou seus parceiros sionistas para que os trabalhistas encabeçados por Barak fizessem parte do governo com os fascistas do Likud para dar-lhe uma faceta mais “humana”. O convite de Netanyahu, com a pronta aceitação dos trabalhistas, foi patrocinado pelo novo governo dos EUA, ansioso para que os assassinos sionistas apresentem ao mundo uma cara mais palatável para melhor passar a proposta de impor aos árabes o reconhecimento de Israel. 

    Afinal, tanto Hillary Clinton, em visita a Israel, reafirmou o “leal compromisso” dos EUA com a segurança de Israel quanto Obama, dirigindo-se aos muçulmanos, enfatizou seu compromisso de “lealdade” aos sionistas. O novo governo norte-americano continua sustentando a todo custo o regime nazi de apartheid, que detém centenas de ogivas nucleares e um dos exércitos mais fortes do mundo, com a desculpa de que a segurança de sua população civil está ameaçada pelos foguetes caseiros de Gaza. Obama aconselhou os palestinos a agir pacificamente depois de comparar sua condição aos escravos negros. E então se dedicou a condenar os atentados palestinos contra os transportes e a lamentar-se pelas crianças israelenses feridas. Nem uma palavra sobre o massacre dos palestinos por Israel em Gaza. Disse que vai trabalhar com qualquer governo que o povo de Israel escolher, ou seja, mesmo com esses nazistas declarados, que propõem e votam leis racistas e até a expulsão dos palestinos, mas impõe como condições para conversar com o governo eleito pelos palestinos, encabeçado pelo Hamas, o “reconhecimento de Israel”. 

    Aí está o núcleo central da política de Obama para a Palestina: aconselha o povo palestino a desistir da resistência armada, reconhecendo Israel, resignar-se a conviver com o estado racista, o que significa o mesmo que abandonar a luta por seu direito à autodeterminação, como já fizeram a Al Fatah e os que apóiam a Autoridade Nacional Palestina de Abbas. E essa política pode ter impacto: segundo o jornal The Independent, o primeiro-ministro e dirigente do Hamas em Gaza, Ismail Haniyeh, declarou, após se entrevistar com o ex-presidente Jimmy Carter, que aceitaria um Estado palestino baseado em suas fronteiras de 1976 e que o movimento havia “escutado atentamente” Obama no Cairo, cujo discurso reconhecia o apoio do Hamas pelos palestinos, mas também a necessidade de assumir responsabilidades. “Encontramos una nova língua, uma nova linguagem, um novo espírito”, teria declarado Haniyeh.

    O discurso de Obama mantém a estratégia de defender Israel e seu “direito à segurança”, o que significa colonizar e massacrar os palestinos, e limita-se a dar alguns conselhos a seu governo. Mas, mais que pelas palavras, devemos julgar um governo por seus atos. O governo Obama já mostrou a que veio, ao colocar em seu orçamento para 2010 a soma de US$ 2,775 bilhões em ajuda militar a Israel, que serão convertidos em mísseis, aviões ultramodernos e farta munição para manter a prática do terror de Estado contra os palestinos.]

    BOX

    Sionismo significa terror aos palestinos desde suas origens

    Quando os soldados sionistas apareceram na TV usando camisetas com inscrições que defendiam abertamente a morte de mulheres grávidas palestinas como forma de eliminar dois “possíveis terroristas” com um só tiro, a barbárie nazista imperante em Israel ficou estampada aos olhos do mundo e fez crescer a campanha de boicote a Israel.

    O processo de perda da imagem de “única democracia do Oriente Médio” do Estado sionista já vinha desde as décadas de 1970-80. Até então, um ponto de inflexão e símbolo dessa perda de imagem havia sido o massacre de Sabra e Chatila no Líbano, em 1982, quando as milícias cristãs fascistas a serviço de Israel chacinaram os palestinos, sob o comando do então ministro da defesa, Ariel Sharon.  

    O massacre de Gaza fez esse desgaste dar um salto: eram comuns nos atos ao redor do mundo inteiro as bandeiras em que a estrela de David era substituída pela suástica nazista, expressando claramente a real herança política do Estado de Israel. Do mesmo modo, cartazes e discursos comparavam Gaza ao Gueto de Varsóvia, e denunciavam como a ofensiva sionista fazia dos habitantes de Gaza as vítimas de um novo e mais prolongado Holocausto. O crescimento da campanha pelo boicote a Israel (BDS) é uma expressão clara desse salto. Um exemplo desse repúdio foi o protesto contra o jogo entre Israel e a Suécia pela Taça Davis de tênis logo depois da invasão a Gaza. Mais de 7000 manifestantes marcharam da praça principal da cidade de Malmoe até o local onde se jogava aquela partida de tênis. Boicotes de portuários na Austrália e na África do Sul fizeram a força da ação operária ser sentida, na melhor tradição dos boicotes ao regime do apartheid sul-africano. 

    As pesquisas históricas e biografias publicadas mostram que a decisão de expulsar os palestinos e realizar uma limpeza étnica, a Nakba, 6 para criar Israel, foi do primeiro governo do trabalhista Ben Gurion em 1948. Havia naquele momento um grande acordo e uma diferença tática com uma parte das correntes mais fascistas, origem dos atuais Likud e Kadima. Toda a região entre o Mediterrâneo e o Jordão deveria ser usurpada pela expulsão dos árabes para a criação de um estado exclusivamente judeu, batizado de Eretz Israel (Terra de Israel). A diferença era que o Poale Zion, partido de Ben Gurion na época, depois Mapai, aceitava a partilha da ONU com o argumento de que, uma vez instalados, tornariam a vida dos palestinos um inferno, de tal forma que eles seriam obrigados a sair; enquanto os antecessores do Likud, os paramilitares do Irgun e Lehi, recusavam-se a aceitar a partilha e queriam tomar todo o território do mandato da Palestina para o Estado judeu já em sua fundação. 

    Mas em relação ao objetivo final e aos métodos necessários havia um acordo, tanto assim que os massacres de palestinos marcaram a fundação de Israel, seja pela ação do Irgun e Lehi, como em Deir Yassin, como pela ação do Haganah, a organização militar sionista que deu origem ao exército israelense, em Al Dawayema em 1948 e mais tarde em Kybia, em 1953, entre outros. Ben Gurion dizia em 1936: ”um acordo abrangente está fora de questão. Apenas o desespero total da parte dos árabes pode fazer com que eles aceitem a criação de um Eretz Israel judeu”. 7

    Essa mesma lógica de impor a expulsão da população palestina pela força do terror persiste e é essencial para a própria existência do Estado de Israel, cuja razão de ser é a limpeza étnica e o expansionismo. Por isso, continuam os assentamentos na região ocupada em 1967 pelas tropas sionistas, a ampliação da proibição de construir casas em regiões inteiras de Jerusalém pelos palestinos, o avanço na “judaização” da cidade e as propostas de transferência forçada da população árabe, tanto dos territórios de 48 como dos ocupados após 67. As últimas eleições são uma expressão cabal dessa política.

    A jornalista Amira Hass, uma das vozes solitárias que defendem um tratamento humano aos palestinos, indignada com essa realidade, escreveu no jornal israelense Haaretz um artigo dirigido aos setores mais cultos da população israelense:

    O que ocorre com vocês, pesquisadores do nazismo, do Holocausto e dos gulags? Poderiam vocês estar a favor das leis discriminatórias sistemáticas? Leis que colocam de forma clara que os árabes da Galileia nem sequer serão compensados pelos danos de guerra com as mesmas quantias que seus vizinhos judeus terão direito? É possível que estejam a favor de uma lei que proíba um árabe israelense de viver com sua família em sua própria casa? Que estejam de acordo com mais expropriações de terras e com a demolição de mais hortas para instalação de novos assentamentos de colonos e para outra estrada exclusivamente para judeus? Que todos vocês respaldem os bombardeios e os lançamentos de mísseis que matam velhos e crianças na Faixa de Gaza? (…) como judeus, todos nós desfrutamos dos privilégios que Israel nos oferece, o que também nos converte em colaboracionistas.8

    Só existe uma saída para que haja paz: o fim de tal anomalia, de um Estado em que o genocídio de outro povo que ali habitava seja considerado válido. Não há como sair da macabra sucessão de guerras e massacres, a não ser com a destruição do Estado de Israel. E para isso, a saída é a resistência palestina e das massas árabes. Não há como fazer reformas nem como construir “dois estados”, como querem os colaboracionistas da ANP e a maior parte da esquerda mundial. A realidade comprova a cada dia que tal solução é inviável e significa o prolongamento da agonia palestina.

    Notas:

    1. Pappé recebeu ameaças de morte, obrigando-o a renunciar ao cargo de catedrático de ciência política na Universidade de Haifa e deixar o país. ↩︎
    2. A criação de um Estado palestino ao lado do Estado de Israel e uma paz baseada em uma reforma interna em Israel, tornando-o mais favorável à convivência com os palestinos. ↩︎
    3. www.rebelion.org, abril de 2009. ↩︎
    4. Citado em Brenner, The iron wall, 1984 ↩︎
    5. Nota publicada em Gara, 28/5/09: “A Knesset (Parlamento israelense) aprovou ontem em primeira leitura uma proposição de lei que estabelece um ano de prisão para quem peça o fim de Israel como Estado judeu. O texto propõe ainda a toda declaração contra Israel como Estado judeu que «possa levar a atos de ódio, desprezo, ou falta de lealdade em relação ao Estado, suas autoridades governamentais ou sistemas legais». (…) Esta votação ocorreu apenas quatro dias após a aprovação, pelo Governo israelense, de outra proposta destinada a castigar com até três anos de prisão aqueles que participarem de atos comemorativos da Nakba, a catástrofe que para os palestinos supôs a criação do Estado de Israel em 1948”. Uma das formas mais importantes com que os palestinos residentes no território de 1948 contestam o que significa o racismo é justamente a comemoração da Nakba, que vem tendo manifestações cada vez mais importantes nesses últimos anos. ↩︎
    6. Nakba significa catásfrofe. ↩︎
    7. Citado em Shlaim, Avi, The Iron Wall, Israel and the Arab world, p.18-19 ↩︎
    8. www.rebelion.org, 25/5/09. ↩︎

    Publicado em agosto de 2009 na revista Marxismo Vivo N. 21

  • A 70 anos da Nakba: debate sobre a questão nacional

    A 70 anos da Nakba: debate sobre a questão nacional

    Aos 70 anos da proclamação do Estado de Israel, que para os palestinos significou a Nakba (catástrofe), é necessário fazer uma discussão teórica e programática sobre as visões fundamentais relacionadas.

    Por: José Welmowicki

    Começamos pelos fundamentos do sionismo, a corrente política que produziu essa catástrofe – a criação de um Estado fundado sob o pretexto de abrigar o povo judeu, que sempre foi baseado numa definição racial excludente. Essa definição, na prática, necessariamente geraria uma situação catastrófica, pois tinha como pressuposto que a maioria da população desse território, a Palestina, deveria ser judia. Se a ampla maioria era árabe, como tornar realidade esse pressuposto básico do sionismo? Isso só seria possível se fosse garantido aos judeus essa maioria, ou seja, se se expulsasse a maioria da população existente, palestinos, e se garantisse que eles não poderiam voltar.

    A Nakba não foi o produto fortuito de uma guerra que estalou devido à reação dos governos “feudais” árabes, como sempre afirmaram os líderes sionistas, que até hoje chamam essa operação de Guerra da Independência, mas sim o resultado de uma operação de limpeza étnica autorizada pela recomendação de partilha da ONU de 1947. Essa operação foi planejada com várias fases, para garantir que os árabes residentes há séculos no território do antigo mandato do imperialismo inglês sobre a Palestina fossem retirados rapidamente, para permitir que os judeus se tornassem franca maioria. O planejamento minucioso dessa operação pelo quartel-general sionista encabeçado por David Ben Gurion está muito bem documentado no livro A limpeza étnica da Palestina, de Ilan Pappé, historiador israelense que teve acesso aos arquivos e pôde revelar os detalhes em toda sua extensão, os quais desmentem, uma a uma, as inúmeras versões difundidas pelos que hoje governam o Estado de Israel.

    A evolução desse Estado, seu caráter racista de enclave militar aliado do imperialismo e potência dominante, hoje os EUA, sua completa impossibilidade de ter uma evolução democrática ou de aceitar uma solução do tipo “dois estados” que fosse realmente em igualdade de condições, tem sua base teórica e programática na própria concepção elaborada pelo fundador do sionismo político, Theodor Herzl, desde sua organização no final do século XIX.

    Nestes artigos, temos o objetivo de confrontar essas bases, mostrar como os marxistas da III e da IV Internacionais responderam e previram sua evolução e qual programa apresentavam em contraposição ao sionismo e, mais tarde, à sua concretização, o Estado de Israel. A história dos 70 anos que se seguiram à criação do Estado de Israel e a realidade atual na Palestina permitem confirmar a visão marxista revolucionária e a luta contra o sionismo e o Estado, que é sua expressão e segue aplicando a limpeza étnica até hoje. 

    A origem da questão judaica

    Abraham de Leon foi um jovem dirigente que rompeu com o sionismo (grupo Hashomer Hatzair) e aderiu à IV Internacional às vésperas da II Guerra Mundial. Escreveu um texto que teve um mérito enorme: aplicar o marxismo para entender a questão judaica. Frente às explicações do sionismo ou da religião, ele atribuía a especificidade do judeu, sua localização, a perseguição da qual era vítima, não à religião nem a uma essência genética racial, mas às condições materiais com as quais se inseria na realidade econômica e social em que vivia. Em seu livro A concepção materialista da questão judaica, localizou quais eram as bases para entender a especificidade dos judeus. Ela estaria vinculada ao papel assumido pelos judeus nas sociedades pré-capitalistas, de comerciantes e usurários, nas quais o capital ainda não dominava em forma plena. Sobre essa base, teria se constituído uma superestrutura cultural e uma religião adequada a esse papel. Formara-se, assim, um “povo-classe”.

    Embora se possa questionar a aplicação tão generalizada da tese de Leon, essa localização é chave para se entender – em particular para a Europa feudal – como os judeus tinham um papel de intermediários, no comércio e na usura, para lidar com o dinheiro e estavam sempre na linha de confronto quando os senhores queriam colocar um bode expiatório para desviar a indignação popular contra a miséria social reinante. Na Europa Oriental, em especial onde havia uma concentração de judeus “asquenazes” com esse papel, encontramos a discriminação, os guetos, a grande base do antissemitismo moderno.

    Para comprovar, porém, que esse não era um destino inelutável nem fruto da religião, houve comunidades judaicas que ganharam igualdade de direitos já no século 19: na Europa Ocidental, após a revolução francesa e no governo de Napoleão Bonaparte, os judeus foram emancipados, e as ideias de liberdade da Revolução Francesa estenderam-se a eles. Napoleão suspendeu velhas leis que os restringiam a residir em guetos, bem como leis que limitavam os direitos dos judeus à propriedade, ao culto e a certas ocupações. 

    O sionismo

    O sionismo surgiu como um movimento baseado numa falsa teoria e numa falsa visão da história. Partia de um problema grave: a perseguição aos judeus, nessa época espalhados por vários países, reprimidos e perseguidos, em especial na “terra Yidish” (onde se falava o ídiche, na Europa Oriental). Contudo, atribuía todo o problema a uma incompatibilidade de convivência originada pela religião ou pela raça e, por isso, a tese do sionismo baseava-se em que só havia uma saída para os judeus de todo o mundo: isolar-se numa nação-território em que fossem maioria exclusiva e permanente.

    Nesse primeiro momento, virada do século XX até os anos 1930, os sionistas não conseguiram agrupar a maioria das comunidades judaicas. Tinham que disputar com os marxistas que defendiam o socialismo e o fim da discriminação a todos os oprimidos e que se fortaleceram quando a revolução russa derrubou o czarismo e instalou o primeiro Estado operário. Sua posição em defesa da imigração para a Palestina não encontrou eco importante até os anos 1930 e o surgimento do nazismo, além do retrocesso stalinista na URSS.

    As alas do sionismo 

    O sionismo dito socialista era um movimento com uma aparência popular e social, devido ao fato das primeiras camadas de judeus que imigraram para a Palestina no século XX serem oriundos da Europa oriental e influenciados por movimentos socialistas e sindicais. Porém, ao assumirem a posição sionista, voltaram-se contra qualquer unidade com os trabalhadores já residentes lá, os palestinos.

    Essa geração produziu a primeira liderança do sionismo na Palestina. Dela viriam os partidos que encabeçam Israel, como o Mapai e suas rupturas, até conformar-se, mais tarde, o Partido Trabalhista. Eles organizaram a Histadrut, que ainda hoje se intitula central sindical, mas, na verdade, é uma organização que foi criada para assegurar que os empresários judeus só empregassem trabalhadores judeus e para separar completamente esses últimos dos trabalhadores palestinos.

    Os kibutzim são apresentados como comunidades coletivistas, mas, na verdade, são colônias a serviço da expansão e da defesa dos territórios ocupados pelos agricultores judeus, que também não admitem nenhuma coexistência ou associação com os agricultores árabes. Assim, o sionismo socialista, ao invés de lutar por “proletários do mundo, uni-vos”, organizou-se para dividir proletários judeus e árabes.

    Jabotinsky, o fundador da corrente sionista revisionista e autor de A muralha de ferro, tinha uma posição racista: dizia que era impossível a assimilação entre judeus e outras raças devido a um problema de sangue. Para ele, a preservação da integridade nacional futura do estado judeu só seria possível se tivesse pureza racial. Assim como os racistas afrikaners do sul da África, considerava os palestinos uma raça inferior com a qual era proibido mesclar-se.

    A ideia da “transferência” dos palestinos unia todas as alas – consenso entre a maioria dos sionistas trabalhistas (identificados como esquerda) e a minoria revisionista (direita). Os palestinos deveriam ser expulsos e suas terras, tomadas pela força. Contudo, para fazer isso, os sionistas deviam primeiro adquirir soberania, ou seja, um Estado. O decisivo era que as duas alas coincidissem em que o Estado deveria ser exclusivamente judeu, livre da população árabe autóctone. Daí o slogan “Uma terra sem povo para um povo sem terra”. Por isso, foi possível a laboristas e revisionistas não só conviverem, como se unirem num só exército e, uma vez instalado o novo Estado, sucederem-se no exercício do governo, sem que se possa distinguir nos traços fundamentais as gestões de cada um: no que diz respeito à limpeza étnica, ao papel do exército e da indústria militar e de segurança. Pela mesma razão, a partir dos anos 1980, houve vários governos de coalizão entre trabalhistas e Likud. As diferenças sempre foram de ordem tática, não estratégica.

    Esse caráter do sionismo esteve na base da fundação de Israel. Ilan Pappé demonstra de forma exaustiva como houve uma limpeza étnica planejada. Esse plano foi elaborado bem antes e já tinha como meta desalojar a imensa maioria dos palestinos de sua terra. Para isso, o sionismo aproveitou-se da comoção mundial causada pelo genocídio nazista contra o povo judeu para impor a limpeza étnica dos palestinos, que não tinham nenhuma responsabilidade no massacre dos judeus europeus. Para levar a cabo seu plano de implementar seu Estado com maioria judaica pela expulsão da população árabe palestina existente, os sionistas candidataram-se a formar parte ativa na defesa do sistema mundial de dominação e construíram alianças com os imperialismos dominantes.

    Israel, um cão de guarda do imperialismo: a dependência profunda dos EUA desde 1948 é cada vez maior

    Desde o início do movimento sionista, com Theodor Herzl e suas tratativas com o Kaiser, o czar russo e, a partir da vitória dos impérios inglês e francês na I Guerra Mundial, o sionismo sempre buscou e teve sustentação do imperialismo. A fundação do Estado de Israel, em 1948, só pôde realizar-se devido ao apoio do governo norte-americano. No entanto, foi a partir dos anos 1960 que a relação alcançada com o imperialismo hegemônico, os EUA, tornou-se total e decisiva. Com a consolidação dos EUA como a potência hegemônica indiscutível, os sionistas armaram-se para se tornarem fiéis guardiões da ordem imperialista na região e no mundo. Foi assim na intervenção de tropas israelenses em aliança com os impérios inglês e francês em 1956, em Suez, na guerra de 1967, no papel de perseguição e repressão em todo o Oriente Médio (como no Líbano) e até mesmo na América Central e do Sul na década de 1980-1990. Assim, Israel conseguiu se tornar um país armado até os dentes. Inclusive, é um dos que recebem a última geração dos modernos armamentos dos EUA e é subcontratante de seus monopólios armamentistas. Em especial a partir da Guerra dos Seis Dias, de 1967, essa associação avançou a ponto tal que hoje a principal indústria israelense é armamentista ou vinculada a ela, como a tão proclamada indústria de tecnologia. 1

    Desde 2008, qualquer venda de armas dos EUA para outros países na região não pode ser realizada a não ser que os governos provem que não serão usadas contra Israel. Os valores da ajuda militar dos EUA a Israel crescem a cada ano, independentemente de o governo ser democrata ou republicano. No período de Clinton, foi de US$ 26,7 bilhões; no de George Bush, US$ 30 bilhões; no de Obama, US$ 36 bilhões. Uma porção importante da ajuda foi fornecida em forma de acordos de coprodução, como em 2014, em que fabricantes das indústrias militares de Israel e EUA concordaram em trabalhar juntos para desenvolver os foguetes do sistema de defesa de Israel, o Iron Dome.

    O papel de Israel na divisão internacional do trabalho tem como centro ser um fornecedor de armamentos e instrutor mundial da segurança empresarial e da repressão aos povos. Vejamos o que diz o texto da Rede Internacional de Judeus Antissionistas:

    A habilidade única de Israel em dispersão de multidões, vigilância, desocupações e ocupações militares resultou em sua posição na vanguarda da indústria global da repressão: desenvolve, monta e comercia tecnologia que é utilizada por exércitos e forças policiais ao redor do mundo com o propósito de reprimir. O papel de Israel nessa indústria começou com o exército israelense, que primeiro usou suas armas contra o povo palestino na Palestina histórica e, depois, contra os países vizinhos. Nos últimos anos, conforme cresceu o interesse pela vigilância e pelo controle policial entre os governos do mundo, um serviço privado israelense pôs à prova (no campo) instrumentos que emergiram de ‘segurança doméstica’ e os exportaram de acordo com seu interesse. A indústria inclui agências governamentais, o exército israelense e uma rede de corporações privadas que produziram mais de US$ 2,7 bilhões em 2008.” 2

    Esta área econômico-política especial de Israel teve e tem uma presença importante na América Latina. Durante o período das ditaduras do fim dos anos 1970 e anos 1980, Israel forneceu suas armas mais conhecidas, a metralhadora Uzi e o rifle Galil, para os regimentos da morte na Guatemala, para os Contras da Nicarágua e para o Chile de Pinochet. Nesse período, Israel ganhou mais de US$ 1 bilhão com a venda de armamento para as ditaduras da Argentina, do Chile e do Brasil. A ditadura de Pinochet, de 1973 a 1990, comprou armas de dispersão de massas de Israel, incluindo equipamentos adequados para canhões de água.

    O próprio Ministério Israelense da Indústria, Comércio e Trabalho publicou em sua página na Internet:

    Israel tem mais de 300 empresas de segurança doméstica que exportam uma ampla gama de produtos, serviços e sistemas… Estas soluções nasceram da necessidade de sobrevivência de Israel e amadureceram conforme a realidade das contínuas ameaças terroristas (sic) ao país… Nenhum outro país tem um acúmulo tão grande de polícias, soldados e vigilantes na reserva e nenhum outro país foi capaz de pôr a prova seus sistemas e soluções em tempo real.

    O governo israelense e suas corporações cumprem um papel importante na política nacional do Brasil, na dispersão de multidões, nos sistemas de vigilância, nas prisões e nas fronteiras militarizadas. Junto a outras políticas de repressão doméstica, o treinamento da polícia e seu armamento são parte da campanha antifavela do Brasil.3

    A companhia israelense Elbit, uma das implicadas na construção do Muro do Apartheid na Palestina, participou no projeto e abasteceu com tecnologia de vigilância o muro fronteiriço entre EUA-México, mais conhecido como o Muro da Morte. 4

    O que é Israel hoje? A comparação com a África do Sul 

    Na mesma época da fundação do Estado de Israel, foi fundada a África do Sul como Estado racista, branco, apoiado nos colonos afrikaners. Era a mesma base teórica e material do sionismo: um grupo de colonos brancos europeus instalara-se no território africano habitado por uma população negra, e impôs um Estado baseado em leis racistas, o apartheid, excluindo a maioria da população dos direitos, buscando criar um regime permanente que garantisse uma maioria branca às custas de tornar os negros cidadãos confinados em bantustões (reservas nativas), sob repressão fortíssima.

    A África do Sul era muito semelhante a Israel. Lá, os negros eram mantidos à força em bantustões. Em Israel, havia as chamadas leis de Regulações Administrativas baseadas nas leis racistas do apartheid da África do Sul. Em Israel, essa lei confinava os palestinos em determinados lugares, dos quais não podiam sair sem ter um passe, e estabelecia zonas proibidas a eles, pois estavam reservadas para a “raça” dominante no Estado, os sionistas. Colocava, ainda, os palestinos à mercê de comissários com plenos poderes para prender, transferir e deportar os habitantes de áreas árabes, tomar posse de qualquer objeto pertencente a um árabe, fazer investidas nas casas a qualquer momento, impor restrições sobre emprego ou negócios, confiscar qualquer terreno ou casa e assim por diante. Violações a essa lei seriam submetidas à jurisdição de tribunais militares. Essa era apenas uma de muitas leis racistas aplicadas aos palestinos.

    O papel da África do Sul na repressão aos movimentos negros pela independência na África dos anos 1960-1990 também se assemelha ao papel de Israel como polícia desde sua fundação: enquanto a África do Sul interveio diretamente em Angola, Moçambique, Namíbia e apoiou os racistas da ex-Rodésia, Israel fazia e faz o mesmo na sua região. Por isso, os movimentos antirracistas da África do Sul identificaram-se sempre com a luta dos palestinos. Houve uma colaboração estreita entre a burguesia branca racista sul-africana e a liderança sionista desde 1948. Israel cumpriu o papel de armar e treinar os regimes de apartheid da África do Sul e da Rodésia. Em contraposição, construiu-se uma solidariedade entre os movimentos de resistência ao apartheid, na África do Sul, e na Palestina que dura até hoje. Da África do Sul, veio o exemplo para o movimento de boicote ao Estado racista, que golpeou fortemente os racistas afrikaners, e que, com o movimento BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções), transforma-se num poderoso instrumento contra o racismo sionista.

    Um enclave racista

    Essa definição era muito combatida nos anos iniciais do Estado sionista. Ainda persistia a imagem do sionismo progressista, de seus fundadores e dos kibutzim como colônias socialistas. Esse suposto caráter progressista ou democrático era contraposto pela mídia e até pela esquerda reformista ao caráter supostamente atrasado dos palestinos e dos árabes. Também contribuía para isso o mito de que Israel teria empreendido uma luta de “Davi contra Golias”, baseado no tamanho da população e do território. No entanto, Israel não parou de se expandir e de estender sua natureza racista a novos territórios. De trazer colonos de fora do país ou de áreas internas e fazer com que eles ocupassem terras palestinas. De jamais aceitar a volta dos refugiados criados pela limpeza étnica em todos esses anos.

    A Nakba de 70 anos atrás continua hoje. A natureza do Estado criado com base na concepção sionista impede qualquer via democrática, pois está baseada numa definição estatal racista e, assim, numa maioria demográfica judaica que é a única aceita como cidadã desse Estado. Não há a menor perspectiva de que as correntes que dirigem Israel aceitem qualquer solução intermediária, com concessões mútuas aos palestinos. A única solução possível aos olhos dos sionistas de todas as facções é que os palestinos aceitem sua expulsão, e que os poucos que ficarem sejam cidadãos de segunda classe.

    Agora, a posse de Donald Trump nos EUA, que tem um acordo mais estreito com o governo de Netanyahu, permite que Israel deixe de lado o discurso demagógico e apresente claramente seu projeto e o transforme em instituições e leis. O caráter de Israel se desnuda, o projeto de Ben Gurion e dos fundadores torna-se explícito.

    Como expressão dessa política para institucionalizar o projeto sionista até o fim, Netanyahu já havia posto em prática a definição de Jerusalém como capital exclusiva em novembro de 2017. Pela resolução da ONU na partilha de 1947, Jerusalém teria de ser internacionalizada para permitir o acesso das três religiões que a consideram sagrada – e ter a administração dividida entre os dois estados. Trump, então, decidiu anunciar a mudança de sua embaixada para Jerusalém.

    A definição final de Israel como Estado baseado em apartheid foi votada no Knesset (parlamento israelense) no dia 19 de julho de 2018. Essa já era a realidade na prática, mas agora está no papel. A mudança legal define Israel como um Estado exclusivamente judeu. Segundo essa lei, os assentamentos judaicos em todo o território da Palestina são considerados parte do Estado de Israel e devem ser defendidos. A população árabe é relegada à condição de não-cidadã, e seu idioma não é reconhecido como uma das línguas. Essa lei gerou uma reação ampla dos árabes que vivem no território palestino de 1948 (que hoje se denomina Israel) e até dos drusos, pois oficializa o Estado racista de Israel.

    Os drusos compõem um setor minoritário que os sionistas atraíram desde a Nakba, para separá-los dos demais palestinos, tanto que muitos deles são recrutados e servem ao exército israelense, ocupando, inclusive, altos cargos oficiais. Mesmo assim, ficaram também excluídos da cidadania. Daí seu protesto contra a lei. 

    Nas palavras de uma diretora da organização de esquerda norte-americana Jewish Voice for Peace (Voz Judaica para a Paz), a rabina Alissa Wise:

    Hoje, abandonamos de uma vez por todas a ilusão de que Israel é uma democracia. O projeto do Estado-nação que Israel aprovou hoje consolida Israel como um Estado de apartheid – da Cisjordânia a Gaza, a Jerusalém e a Haifa. Os palestinos, não importa onde morem, são controlados por um governo e por forças armadas israelenses que os privam dos direitos e de liberdades fundamentais.5

    A perda de apoio entre os intelectuais

    Em 1948, boa parte da intelectualidade de esquerda europeia da época apoiava o Estado de Israel. Nomes como o filósofo Jean-Paul Sartre, em 1949, comovidos pelo genocídio dos judeus europeus pelos nazistas, tornavam sua fundação um avanço da democracia e do progresso, dizendo que um Estado de Israel autônomo legitimava os combates do povo judeu e “era um dos mais importantes acontecimentos de nossa era […] para todos nós significa um progresso concreto em direção a uma humanidade onde os homens serão o futuro do homem”. 6 Saudavam a libertação dos sobreviventes de um povo chacinado sem se aterem ao que a fundação de Israel significava para os palestinos e para os próprios judeus que, atraídos pela ideia sionista, caíam assim numa armadilha.

    O BDS

    Hoje existe um desencanto crescente, pois a realidade golpeou os mitos divulgados pelo sionismo e pela mídia imperialista. Em vez da ideia de 1948-1949, do resgate de um povo perseguido, aparece a imagem real de um estado militarista com líderes racistas, praticando massacres, matando crianças etc. Existe uma campanha ampla e democrática de boicote a Israel que começou em 2005, a partir de uma frente de organizações sindicais e democráticas palestinas e inspirada no boicote contra o regime de apartheid da África do Sul.

    A campanha tem como um dos centros o reconhecimento do direito de retorno aos palestinos expulsos de suas terras. Já atingiu alguns sucessos, como o grande físico Stephen Hawkings, que se recusou a comparecer a um evento em Israel depois dos massacres de Gaza. Teve a adesão de artistas como os atores Javier Barden, Danny Glover, Penelope Cruz, o diretor Pedro Almodóvar, os músicos Roger Waters, Santana e muitos outros. No futebol, a seleção argentina de 2018 acabou desistindo de jogar uma partida em Israel diante da pressão dos ativistas do BDS. O chamado ao boicote cumpre um papel muito importante, como o foi na África do Sul do apartheid, e começou a preocupar seriamente Israel e o stablishment sionista. Já existe um dispositivo de espionagem do governo sionista articulado com seus representantes nos países para tentar criminalizar as ações de boicote, acusando-as de antissemitas.

    A perda de apoio de Israel na comunidade judaica em todo o mundo

    Israel conseguiu, durante muitos anos, apoiar-se, por um lado, na principal potência imperialista, os Estados Unidos, e, por outro, na comunidade judaica, em especial na burguesia que sustenta o projeto sionista com o apoio financeiro e político-midiático. De todo o mundo, a principal fonte de sustento é a colônia judaica norte-americana, por sua força econômica e política. Calcula-se em três milhões o número de judeus nos EUA. Pesquisas recentes mostram um afastamento crescente dos jovens de origem judaica de Israel, em especial por conta das práticas racistas explícitas de massacres de civis desarmados em Gaza. Diante desses ataques, a atriz israelense Natalie Portman recusou-se a receber um prêmio israelense.

    Nesse sentido, Israel vem perdendo terreno e sua imagem desgasta-se cada vez mais com a ruptura de judeus com o sionismo e o surgimento de grupos cuja ação dirige-se contra os abusos de Israel. Existe uma série deles, como a rede Ijan. O grupo Jewish Voices for Peace, que sempre denuncia os abusos e aderiu ao BDS, alega ter mais de 60 mil filiados e 250 mil seguidores. Ao se colocar a favor do direito de retorno dos palestinos, desafia diretamente um dos postulados do sionismo: não permitir a volta dos palestinos às suas terras, o que geraria uma maioria de árabes em relação aos judeus na Palestina.

    Os dirigentes do establishment sionista estão alarmados. Ronald Lauder, presidente do Congresso Judaico Mundial, figura importante do lobby sionista, declarou-se preocupado com a perda de legitimidade de Israel e a dificuldade de seus apoiadores judeus tradicionais nos EUA e em outros locais do Ocidente em defenderem suas ações, o que poderia “levar a uma divisão entre o Estado judeu e seus apoiadores”. 7 Entre suas preocupações, a maior é com a juventude judaica que “não quer mais se associar a uma nação que discrimina judeus não ortodoxos, minorias não judaicas e a comunidade LGBT” e até mesmo quer “deixar de combater o BDS, deixar de sustentar Israel em Washington” e deixar de garantir a “retaguarda estratégica que Israel tanto necessita”. Isso não modifica a relação estreita entre as altas esferas do Estado norte-americano, seu Congresso e a força do lobby sionista, como o AIPAC, 8 mas mostra sua perda de legitimidade crescente.

    Outra fonte de desprestígio é a ação cada vez mais repressiva do Estado de Israel contra os ativistas de direitos humanos e contra os dissidentes judeus de dentro e de fora. Nas últimas semanas, aumentaram as medidas contra advogados, como o diretor da Human Rights Watch para Israel e Palestina, Omar Shakir, um norte-americano de origem palestina que foi impedido de permanecer em seu escritório em Ramallah, na Cisjordânia, e teve de deixar o país. Assim como os abusos na entrada do aeroporto contra dissidentes e ativistas de direitos humanos e até jornalistas judeus liberais que se tornam suspeitos por fazerem críticas, como Peter Beinart, da rede de TV CNN. Cem advogados ligados aos direitos humanos fizeram uma carta protestando contra esses abusos.

    Notas:

    1. Dados de J. Nitzan e S. Bichler, “The global political Economy of Israel”, cap. 5: The Weapondollar-Petrodollar Coalition. ↩︎
    2. Extraído do site da Ijan – Rede Internacional de Judeus Antissionistas, “El Rol de Israel en la Represión Mundial”, publicado em fevereiro de 2013. ↩︎
    3. Idem ↩︎
    4. Idem ↩︎
    5. Extraído do site da Jewish Voice for Peace. Declaração publicada em 19 de julho de 2018. ↩︎
    6. Extraído do texto “O nascimento de Israel”, de Jean-Paul Sartre, publicado em junho de 1949. ↩︎
    7. Haaretz, 8/8/2018. ↩︎
    8. Comitê de Assuntos Públicos EUA-Israel, fundado na década de 1950, com mais de cem mil membros ativos. ↩︎

    Publicado em junho de 2018 na revista Marxismo Vivo N. 12.

  • Como marxistas e reformistas abordaram a questão judia e o sionismo

    Como marxistas e reformistas abordaram a questão judia e o sionismo

    Os revolucionários

    Lenin foi o autor da política para as nacionalidades presente no programa do POSDR 1 e colocada em prática pelo Partido Bolchevique ao assumir o poder após a Revolução de Outubro. Uma das consequências foi a abolição de todas as leis e restrições contra os judeus na Rússia, pois essa política propunha, como tarefa fundamental, a luta contra a opressão aos judeus utilizada pelo império czarista para dividir os trabalhadores e manter sua dominação.

    Por: José Welmowicki

    Assim como Lenin havia formulado, somente com a tomada do poder pelos bolcheviques foi possível acabar com mais de 500 leis discriminatórias contra os judeus e integrar os quadros proletários e intelectuais ao nascente Estado operário russo. Uma expressão disso é que muitos dos principais quadros bolcheviques, como Sverdlov, Trotsky, Kamenev… eram de origem judaica.

    Ao mesmo tempo, Lenin tratou da questão da organização dos proletários judeus no partido a partir da polêmica com o Bund. O Bund era a organização de operários judeus da Rússia, Polônia e Lituânia – todas pertencentes ao império czarista. Fundado em 1897, participou da formação do POSDR. Com sua base de artesãos, semiproletários, operários de pequenas manufaturas, eles defendiam a posição de se manterem como uma organização à parte dentro do Partido e como os únicos representantes dos proletários judeus dentro e fora do partido.

    Lenin, assim como Trotsky, travou uma batalha contra essa posição. Lenin também identificava e combatia as tentativas do sionismo de retirar o proletariado judeu da luta contra o império russo e conduzi-lo a um projeto de emigração para a Palestina. Tentava demonstrar aos militantes do Bund que sua equivocada concepção de organizar separadamente os proletários judeus derivava da mesma falsa ideia de que os judeus da Rússia seriam uma “nação à parte”, o que, em essência, era semelhante ao ideário sionista.

    Em vez de proclamar a guerra contra essa situação de isolamento historicamente surgida (agravada ainda mais pela desunião geral), 2 eles a elevaram a um princípio, amparando-se, para esse propósito, na sofisticação de que a autonomia é inerentemente contraditória e na ideia sionista de uma nação judaica. Somente se eles admitissem franca e resolutamente seu erro e se preparassem para avançar em direção à fusão, o Bund poderia se afastar do falso rumo que tomou. E nós estamos convencidos de que os melhores aderentes das ideias social-democratas dentro do proletariado judeu, mais cedo ou mais tarde, obrigarão o Bund a abandonar o caminho do isolamento para vir à fusão. 3

    Trotsky tinha a mesma orientação que Lenin: no congresso do POSDR de 1903, foi ele quem pessoalmente travou a batalha contra a posição do Bund, de exigir autonomia para representar o proletariado judeu dentro do partido. E sempre combateu, por um lado, o Bund e sua proposta de separar o proletariado judeu do restante, assim como combateu o sionismo como saída para o povo judeu.

    Por outro lado, desde 1903 – passando pela denúncia e luta contra os pogroms organizados pelo czar, como durante o caso do judeu Beilin, acusado de crime ritual na Rússia em 1911 – Trotsky clamava por uma luta pelos direitos básicos dos judeus e defendia que somente a luta revolucionária poderia libertar os judeus da opressão.

    Durante as guerras civis balcânicas (1913), após realizar uma análise do regime da Romênia, chegou à conclusão de que era obrigação do partido do proletariado lutar para integrar em suas fileiras – e, de um ponto de vista político, de todos os elementos “cuja existência e desenvolvimento não se enquadram no regime existente”. Na Romênia havia uma comunidade judaica importante e muito perseguida pelo Estado monárquico. Para ele, a social-democracia era a única defensora dos direitos dos judeus, pois, devido às características de sua burguesia, os partidos existentes – conservadores e liberais – nem sequer garantiriam a luta pela democracia na Romênia.

    Baseava essa análise em sua visão da Revolução Russa e do papel da burguesia russa, incapaz de assumir as tarefas democrático-burguesas.

    A III Internacional, em seus primeiros congressos, manteve a visão dos bolcheviques. Nas “Teses sobre a Questão Nacional e Colonial”, do II Congresso da Internacional Comunista (1920), cujo objetivo central era apoiar a luta pela libertação no mundo colonial e contra o imperialismo, já se fazia referência ao sionismo como um instrumento a serviço da dominação do imperialismo inglês sobre a população árabe local.

    «6° (…) Como exemplo flagrante dos enganos praticados com a classe trabalhadora nos países submetidos pelos esforços combinados do imperialismo dos Aliados e da burguesia de determinada nação, podemos citar o caso dos sionistas na Palestina, país no qual, sob o pretexto de criar um Estado judaico onde os judeus são uma minoria insignificante, o sionismo entregou a população autóctone dos trabalhadores árabes à exploração da Inglaterra. Na conjuntura internacional presente, não há para as nações dependentes e fracas outra salvação senão a Federação das Repúblicas Soviéticas.» 4

    Mais adiante, já com o stalinismo no poder na URSS e com Hitler na Alemanha, Trotsky denunciava a utilização, por parte do stalinismo, do antissemitismo contra a oposição, alertava sobre a possibilidade de um genocídio perpetrado por Hitler e clamava por combater o nazismo com todas as forças. Mas nem mesmo por isso ele mudava de posição em relação à questão do sionismo.

    «O primeiro ponto que posso afirmar sobre a questão judaica é que ela não será resolvida no âmbito do capitalismo. Tampouco será solucionada pelo sionismo. Antes, eu acreditava que os judeus se assimilaríam às culturas e aos povos nos quais viviam – como ocorria na Alemanha e nos Estados Unidos –, e por isso meu prognóstico era lógico. Mas agora isso se mostra impossível de afirmar. A história recente nos deu algumas lições a esse respeito. O destino dos judeus é hoje um problema candente, sobretudo na Alemanha, onde aqueles judeus que haviam esquecido sua origem tiveram oportunidade de relembrá-la. (…) O desenvolvimento cultural exige concentração, pois isso facilita a difusão da cultura entre as massas amplas, por meio de uma imprensa forte, de um teatro, etc. Se isso é o que os judeus desejam, o socialismo não terá o direito de negá-lo. Quero enfatizar que não afirmo que os judeus devam, necessariamente, possuir um território, porque sob o socialismo os judeus, como todos os povos, poderão residir onde quiserem com plena liberdade e segurança. Somente a revolução proletária pode resolver a questão judaica em todas as suas ramificações. Por isso, as massas trabalhadoras judaicas devem trabalhar e lutar lado a lado com os operários de todos os países para alcançar esse fim.» 5

    O stalinismo recua da posição marxista e trai a causa palestina

    Desde a tomada do controle do partido, Stalin impôs ao PCUS uma linha oposta ao leninismo e à III Internacional. Por um lado, capitulava às burguesias nacionais, como na China; por outro, na URSS começava a perseguir as nacionalidades e retomar a opressão nacional de grande escala russa. Isso se refletiu fortemente na questão judaica e na política para o sionismo.

    Na Palestina, o partido local sofreu um duplo desvio: nos anos 20 e 30, uma política semelhante à da China no período em que o Kuomintang era considerado revolucionário por Stalin e Chiang Kai-Shek, incorporado ao Comitê Executivo da III Internacional. No caso palestino, essa relação se dava com o mufti Haj Amin al-Husayni, dirigente da oligarquia local que contribuiria para levar a revolução dos anos 1936-1939 à derrota. Por outro lado, não denunciava o sionismo como um projeto de formar um Estado racista que excluiria os palestinos.

    Na segunda metade dos anos 1940, a partir dos Pactos de Yalta e Potsdam, o partido palestino apoiou a divisão da Palestina em dois Estados.

    Em 1947-1948, o stalinismo, empenhado em acordos com o “imperialismo democrático”, abandonou a visão de Lenin e da III Internacional sobre o sionismo e passou a influenciar o futuro Estado judeu a ser fundado.

    Para justificar o apoio a Israel, chegou a aceitar a versão de que o sionismo seria “progressista” e até “socialista”, em oposição aos “feudalismos” árabes. Segundo relata o dirigente palestino Ghassan Kanafani, em 1946 o jornal oficial Izvestia, da União Soviética, “ousou comparar a luta dos judeus na Palestina com a luta dos bolcheviques antes de 1917”. 6

    Trotsky defendia, desde 1903, os direitos básicos dos judeus e que somente a luta revolucionária os libertaria da opressão. Durante as guerras civis balcânicas (1913), depois de analisar o regime da Romênia, concluiu que era obrigação do partido do proletariado lutar para integrar, em suas fileiras – tanto política quanto praticamente – todos os elementos “cuja existência e desenvolvimento não se enquadram no regime vigente”. Na Romênia, havia uma comunidade judaica importante e severamente perseguida pelo Estado monárquico. Para ele, a social-democracia era a única defensora dos direitos dos judeus, pois os partidos existentes – conservadores e liberais – não garantiriam sequer a luta pela democracia naquele país.

    Esse mesmo stalinismo havia usado, de forma cínica, os preconceitos antissemitas para perseguir a oposição de esquerda dentro da URSS. Como Trotsky citou em sua entrevista de 1937 ao jornal Forward, havia muitos líderes da Oposição de origem judaica; Stalin insinuava que sua suposta “origem estrangeira”, por serem judeus, qualificava-os como inimigos da União Soviética. Após a Segunda Guerra, o stalinismo continuou a usar o preconceito antissemita para perseguir seus adversários. 7

    A política dos partidos comunistas ajudou a angariar apoio para o projeto sionista no movimento operário e entre a intelectualidade mundial. Por outro lado, colocou o partido palestino ao lado dos colonizadores, o que impossibilitou sua recuperação na comunidade palestina. Assim, os stalinistas posicionaram-se de forma conciliadora com os sionistas nas comunidades judaicas, sempre defendendo o “direito de Israel de existir como Estado judaico”. O partido havia conquistado prestígio nessas comunidades judaicas devido à luta contra o nazifascismo – com a derrota de Hitler na Rússia, a ação das tropas russas e das resistências, onde os comunistas tiveram papel decisivo na derrota final.

    A social-democracia patrocina o sionismo ‘socialista’

    A social-democracia sempre apoiou o projeto sionista, e o Partido Trabalhista – que foi o principal partido desde a fundação de Israel até os anos 70 – é e continua afiliado à Internacional Socialista (a organização internacional da social-democracia), ajudando assim a dar um viés “socialista” aos primeiros dirigentes de Israel, responsáveis pela limpeza étnica praticada desde sua fundação. Ben Gurion, dirigente dessa operação e primeiro-ministro de Israel por quinze anos, era um membro destacado da social-democracia. Nesse aspecto, a social-democracia mostrava coerência ao apoiar os empreendimentos coloniais das potências imperialistas na Ásia e na África, durante a Primeira Guerra Mundial, e posteriormente, após a Segunda Guerra, quando, entre outros casos, o governo francês reprimiu a luta da Argélia pela independência, nos anos 50.

    O trotskismo manteve a defesa da posição revolucionária para a Palestina

    Somente a IV Internacional seguiu a tradição revolucionária da III Internacional. A IV Internacional foi a única organização de esquerda efetivamente antisionista na época da Nakba, e em 1948 manteve-se firme contra a divisão.

    Abaixo a partição da Palestina! Por uma Palestina árabe, unida e independente, com plenos direitos de minoria nacional para a comunidade judaica! Abaixo a intervenção imperialista na Palestina! Fora do país todas as tropas estrangeiras, os ‘mediadores’ e ‘observadores’ das Nações Unidas! Pelo direito das massas árabes de dispor de si mesmas! Pela eleição de uma Assembleia Constituinte com sufrágio universal e secreto! Pela revolução agrária!8

    Naquele momento, o grupo trotskista palestino, RCL (Liga Comunista Revolucionária), denunciava:

    O imperialismo norte-americano conquistou um agente direto – a burguesia sionista – que, por esse fato, tornou-se completamente dependente do capital norte-americano e da política dos EUA. Daqui por diante, o imperialismo norte-americano terá uma justificativa para intervir militarmente no Oriente Médio sempre que julgar conveniente… a consequência inevitável dessa guerra será a total dependência do sionismo em relação ao imperialismo norte-americano.9

    A posição dos trotskistas estava em consonância com a posição da Terceira Internacional e já previam o que ocorreria caso o Estado de Israel se consolidasse.

    Nossa corrente, desde a FLT [Fração Leninista Trotskista] dentro do Secretariado Unificado (SU) – com o SWP dos Estados Unidos – dos anos 1969 a 1976, a TB [Tendência Bolchevique] e a FB [Fração Bolchevique dentro do SU até 1979], até chegar à LIT-CI em 1982, é a linha de continuidade com essa posição dos revolucionários, da III Internacional.

    Já em 1973, logo após a Guerra do Yom Kippur, tomou-se uma posição clara por meio de uma Revista da América dedicada ao tema: “Israel, História de uma Colonização”.

    O jornal Avanzada Socialista, do PST argentino, publicou em 1973 um artigo que sintetizava a posição explicada na Revista da América e que marcava uma modificação em um aspecto: antes, e até a Nakba, ao mesmo tempo em que a IV Internacional denunciava e se opunha à divisão, reivindicava-se o respeito à autodeterminação de todos os povos presentes na Palestina. O artigo de 1973 esclarecia um aspecto muito importante: era necessário diferenciar claramente o caráter do nacionalismo do opressor (o sionismo) do nacionalismo do oprimido (os palestinos), pois, nesse caso, o projeto sionista dependia da opressão dos palestinos. Portanto, os judeus não teriam o direito de possuir um Estado próprio, como, por exemplo, os palestinos.

    «A Autodeterminação é um direito dos oprimidos, não dos opressores»

    No Avanzada Socialista nº 79 (10/10/73) dizíamos, a respeito do conflito no Oriente Médio:

    Aos companheiros judeus, pedimos que não caiam na demagogia racista e reacionária do Estado de Israel e do imperialismo, e que apoiem a justa guerra dos árabes contra um dos Estados mais reacionários que a história já conheceu: Israel.

    Aos companheiros árabes, convidamos a apoiar os trabalhadores judeus na luta contra seus patrões e o imperialismo. Apoiamos o direito do povo judeu à autodeterminação e a ter seu próprio Estado no âmbito de uma Federação de Estados Socialistas do Oriente Médio.

    «Essa posição é, em termos aproximados, a que defendíamos no La Verdad 10 durante a “guerra dos seis dias” em 1967. A direção do nosso partido discutiu e revisou essa posição quanto ao direito dos judeus de ter um Estado próprio na Palestina. Entendemos que o mais correto é apoiar a criação, em todo o território – que hoje ocupa o Estado sionista – de um único Estado Palestino, laico, não racista e com amplos direitos democráticos para todos os seus habitantes. Estado laico significa que não estará baseado nem sustentará nenhuma religião “oficial”, nem islâmica nem cristã. Ao mesmo tempo, garantirá a cada um de seus habitantes total liberdade para praticar o culto que desejar ou para não ter religião, se assim preferirem.«

    «Esse Estado Palestino laico eliminará os privilégios, as discriminações e as perseguições raciais que hoje existem no Estado sionista, garantindo a todos os cidadãos – sejam de origem árabe, judaica ou drusa – direitos democráticos iguais: liberdade para falar em sua língua nativa e para publicar sua imprensa e livros, não haver discriminação em empregos públicos ou privados, igualdade salarial, e o direito de eleger e ser eleito para cargos públicos ou sindicais, etc.«

    «Alguns leitores poderão nos apresentar a seguinte objeção: ‘Estamos de acordo que é preciso acabar com Dayán, Golda Meir e companhia. Mas, por que defendemos a ideia de um único Estado palestino? Isso, evidentemente, garantiria a autodeterminação dos árabes, já que eles poderiam ser maioria nesse Estado Palestino. Mas isso não feriria o direito à autodeterminação dos judeus, a quem não devemos colocar na mesma categoria que Dayán e seu grupo?’
    A resposta é muito simples: os marxistas revolucionários defendem o direito à autodeterminação dos oprimidos, não dos opressores.
    «

    «O direito à autodeterminação é um problema concreto; não se resume a uma simples questão aritmética de maioria ou minoria. Defendemos o direito à autodeterminação da minoria nacionalista “católica” no Ulster contra a maioria “protestante” inglesa, porque a primeira é oprimida pela segunda. Pela mesma razão, apoiamos a maioria negra da Rodésia, da África do Sul e das colônias portuguesas, contra a minoria branca que os escraviza de maneira brutal. O que proporíamos, por exemplo, para a África do Sul? A autodeterminação dos negros… e também a dos brancos que lhes negam até mesmo a condição de seres humanos?«

    «O caso de Israel é similar ao da Rodésia, ao da África do Sul ou ao da Argélia antes da revolução. Assim como nesses casos o imperialismo “importou” uma minoria colonizadora, que despojou milhões de palestinos de suas terras e de seus direitos nacionais e humanos. Assim como na África do Sul, onde os negros são confinados como gado em “reservas indígenas”, milhões de palestinos vivem na miséria dos “acampamentos de refugiados” no Líbano, Síria e Jordânia.
    Além disso, são vítimas de massacres perpetrados pelos sionistas ou por seus cúmplices árabes – os governos reacionários do Líbano e da Jordânia. Os palestinos que ficaram em Israel são submetidos a um regime de terror nazista.
    (…)»

    «Então, quem são os opressores e quem são os oprimidos? Quem tem direito à autodeterminação? A questão é simples e concreta. O primeiro e imediato passo é restituir aos oprimidos suas terras e seus direitos nacionais e democráticos. Ao mesmo tempo, é preciso garantir a todos os judeus que desejem viver em paz e fraternidade com os árabes – e que não queiram ser carne de canhão de Dayán e do imperialismo norte-americano – a completa igualdade de direitos democráticos como cidadãos de uma Palestina laica e não racista.» 11

    A LIT manteve esse programa de 1973 e o reafirmou nos anos 2000, na revista Marxismo Vivo nº 3 de 2001 e por meio de uma série de publicações, como o Correio Internacional, frente às permanentes agressões de Israel e à resistência contra suas invasões, como no Líbano, à resistência heroica palestina por meio das Intifadas e ao novo processo que começou em 2011 em toda a região.

    No entanto, isso não ocorreu em muitas correntes que se autodenominam trotskistas. Na verdade, houve, nessas correntes, um retrocesso em relação às posições da Terceira e da Quarta Internacionais, pressionadas na prática pela adaptação da esquerda às posições sionistas.

    O Secretariado Unificado, nos anos 90, passou a aceitar a imposição dos “dois Estados” e a sugerir uma saída que depositava esperanças em uma intervenção da ONU (a mesma que respaldou a divisão e permitiu a imposição da Nakba), com tropas de paz. Seu grupo na Palestina, como mostram os artigos do dirigente Michel Warshawski, passou a defender os “dois Estados” e uma negociação “não sob o ditame israelense-americano”, mas sob os auspícios da ONU, alegando ser a única forma de pôr fim aos massacres dos palestinos e à guerra.

    Por sua vez, as correntes oriundas do tronco do dirigente britânico Ted Grant (TMI e CIO) tratavam tanto judeus quanto palestinos como nacionalidades oprimidas. Com uma posição semelhante à defendida para a Irlanda – onde se diferenciava os trabalhadores ingleses (“protestantes”) dos irlandeses (“católicos”) – passaram a defender um Israel socialista ao lado de um Estado Palestino socialista, aceitando, assim, a divisão de 1947 e abandonando, com isso, a luta pelo direito de retorno dos palestinos expulsos em 1948. As ações de Israel demonstram, a cada dia, que a solução dos dois Estados significa aceitar a continuidade do roubo de terras e do racismo.

    Ainda hoje, após uma série de ativistas de esquerda e de direitos humanos terem passado a defender um único Estado com direitos iguais para todos, esses grupos continuam a defender “dois Estados socialistas com plenos direitos para as minorias que vivem dentro deles”. 12

    Hoje, há 70 anos da fundação de Israel, o programa para a revolução continua a se apoiar nas concepções da III e da IV Internacionais. E hoje isso se materializa na bandeira: “Pelo fim do Estado racista de Israel”, “Por uma nova Intifada que tenha no centro os trabalhadores e lute por um Estado único, laico, democrático e não racista em todo o território da Palestina”.

    Não é uma tarefa fácil, mas pode ser alcançada com a luta dos trabalhadores. O caminho passa pela revolução palestina e por uma luta internacional, para a qual é fundamental a participação dos demais trabalhadores árabes, contando com a ação solidária dos trabalhadores e dos povos em todo o mundo, especialmente nos países imperialistas.


    Notas:

    1. Partido Social-Democrata Russo. ↩︎
    2. Refere-se à desunião do partido. ↩︎
    3. Citado do texto de Lenin, “A posição do Bund no partido”, da seleção de textos On the Jewish Question, organizada por Hyman Lumer, International Publishers, 1974, pp. 50-51. ↩︎
    4. Teses da III Internacional sobre a questão nacional. ↩︎
    5. Extraído da entrevista a Trotsky pelo jornal judeu Forward, 12 de janeiro de 1937. ↩︎
    6. KANAFANI, Ghassan. La revuelta de 1936-1939 en Palestina, p. 23. ↩︎
    7. No pós-guerra, e valendo-se do clima da Guerra Fria, a onda de perseguições da burocracia aos dissidentes formou o pano de fundo quando Stalin lançou uma campanha antissemita em 1948-1953, destinada a eliminar os “cosmopolitas sem raízes”. Houve um episódio em que toda a equipe médica que cuidava do próprio Stalin foi acusada e julgada como traidora. Segundo a versão oficial do regime stalinista, tratava-se de uma conspiração dos médicos judeus, sob as ordens da inteligência estadunidense, com o objetivo de assassinar os principais quadros do Partido Comunista da União Soviética, incluindo o próprio Stalin. Os partidos comunistas do Leste europeu usaram o preconceito antissemita contra dissidentes – como no caso de Slansky na Tchecoslováquia – e contra militantes das revoluções políticas, como na Polônia. ↩︎
    8. Manifesto da IV Internacional. ↩︎
    9. Extraído de “Israel, Historia de una colonización”, Revista de América, 1973. ↩︎
    10. Refere-se ao periódico anterior da corrente morenista, época em que era o órgão do PRT-La Verdad. ↩︎
    11. Avanzada Socialista nº 81, 24 de outubro a 4 de novembro de 1973. ↩︎
    12. Declaração “70 años de la fundación de Israel”, disponível no site do CWI. ↩︎
  • Antissionismo não é antissemitismo

    Antissionismo não é antissemitismo

    Uma confusão sempre à espreita, que ganhou espaço nos últimos dias, é a de que o antissionismo seria uma forma de antissemitismo. Nada mais falso. Entendemos que existem três tipos de confusão em relação a isso: a primeira é deliberada e, portanto, criminosa, como faz o racista Estado de Israel e suas organizações; a segunda deve-se à desonestidade ou ao oportunismo, e costuma estar ligada à primeira; e a terceira é, por incompreensão ou desconhecimento, fruto de ideologias que muitas vezes permeiam os meios de comunicação de massa e estão na boca de políticos e outras personalidades. O propósito deste artigo é explicar a grande diferença entre antissionismo e antissemitismo.

    Por: José Welmowicki e Soraya Misleh

    O antissemitismo esteve presente nos discursos do apresentador Bruno Aiub (Monark), durante a edição do Flow Podcast de 7 de fevereiro, e do deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP) no mesmo programa, o que é absolutamente condenável. Nosso veemente repúdio à ideia absurda que propagaram de que o nazismo não deveria ser tratado como crime e que, como afirmou Aiub, “está bem ser antijudeu”. Não há nada de aceitável em defender o racismo, a discriminação e a opressão. Portanto, não há nada de aceitável em ser antissemita. Isso significa naturalizar o ódio contra determinadas etnias ou raças.

    O nazismo, com seu abominável histórico de atrocidades cometidas durante o Holocausto contra os judeus (6 milhões de mortos) – e também contra ciganos, comunistas, anarquistas, pessoas LGBT e deficientes físicos, todos os que não fizessem parte da “raça ariana” – durante o século XX, foi um crime contra a humanidade. Defender a legalização de um partido nazista é inaceitável. Infelizmente, Aiub e Kataguiri não são os únicos. O vereador da cidade de São Paulo, o capanga Fernando Holiday (Novo), que disse anteriormente que o racismo contra negros no Brasil não existe, é outro que, do alto de sua inconmensurável idiotice, defendeu a “despenalização do nazismo”, sob a lógica distorcida da “liberdade de expressão”.

    O direito democrático à liberdade de expressão não significa o direito de incitar o racismo sob nenhuma forma. Ele não pode ser usado como muleta para propagar livremente crimes contra a humanidade e discursos de ódio. As consequências – e isso não é novidade – são amplamente conhecidas.

    Ao mesmo tempo, tentando justificar o injustificável, Kim Kataguiri afirmou, em vídeo em suas redes sociais, que não poderia ser antissemita porque “não há ninguém mais pró-Israel no Parlamento do que eu”, para depois remediar dizendo que considera “até divertido que pessoas anti-Israel agora me chamem de antissemita, de nazista”.

    Essa ideologia não tem justificativa alguma. Ela responde à confusão deliberada criada pelo Estado racista de Israel, que equipara coisas que nada têm a ver entre si – uma chantagem que também merece repúdio veemente – para silenciar os críticos do projeto colonial sionista. E isso não é de hoje.

    Mas, o que é o antissemitismo e qual é a sua origem?

    O racismo contra os judeus, o antissemitismo, surgiu na Idade Média, na Europa. Reis, nobres e sacerdotes exploravam os servos em seus feudos na Europa medieval; na sociedade feudal, as transações e atividades comerciais e financeiras, como a usura, eram consideradas pecaminosas e proibidas para os cristãos. Assim, um não cristão tinha de fazê-las. De fato, exercendo essas atividades a serviço da nobreza e do clero – que eram da classe dominante – os judeus passaram a cumprir o papel de comerciantes, artesãos, ourives etc., além de agiotas, uma atividade vetada aos cristãos. Fez-se isso sob o controle dos reis, do clero e dos nobres e, quando surgiam catástrofes como fome e pestes, em cada período desse sistema feudal, as classes dominantes viam a necessidade de um bode expiatório.

    Pelo seu papel na sociedade, como mercadores e como emprestadores de dinheiro cobrando juros, os judeus eram um alvo fácil. Daí surgiram as lendas divulgadas pela Igreja cristã, como o mito de que “os judeus mataram Cristo”, usadas pelos nobres para culpar os judeus pelos infortúnios da população.

    A Revolução Francesa, com seus três lemas – liberdade, igualdade e fraternidade – defendeu a ideia de que os seres humanos seriam iguais perante a lei. Mas, como sabemos hoje, a nova sociedade capitalista foi incapaz de garantir verdadeira igualdade às mulheres e perseguiu etnias e raças. Foi a Revolução Russa de 1917 que trouxe a libertação dos povos de todo o antigo Império Russo, o fim da discriminação contra todas as etnias, inclusive os judeus.

    Em sua fase imperialista, o capitalismo intensificou a exploração e as guerras de colonização dos povos; e a perseguição racial tomou uma forma ainda mais assassina. Foi nesse contexto imperialista que surgiram o fascismo e o nazismo – ideologias que justificavam o genocídio e a eliminação de raças como o único caminho para o povo alemão. O antissemitismo foi transformado em uma política industrial de genocídio, de eliminação dos judeus.

    O surgimento do sionismo

    O sionismo, que surgiu no final do século XIX com Theodor Herzl, argumentava que o problema da discriminação contra os judeus só se resolveria se estes tivessem um Estado exclusivo. O sionismo admitia, assim, um pressuposto que os racistas antissemitas vinham pregando: era impossível a convivência sem discriminação entre diferentes raças e etnias, entre judeus e não judeus, pois sua própria constituição racial o impediria. Herzl e a Organização Sionista Mundial (OSM) buscaram, então, os líderes das potências imperialistas e ministros do Império czarista russo para negociar apoio a esse projeto, entre outros argumentos, lembrando-lhes que poderiam se livrar dos judeus de seus territórios. Durante a Primeira Guerra Mundial (1914–1918), através de Chaim Weizmann, líder sionista, a OSM obteve uma declaração do governo imperial britânico – a Declaração Balfour de 1917 – comprometendo-se a permitir a instalação de um Lar Nacional Judeu no território da Palestina. Ou seja, foi um compromisso da autoridade colonial britânica de permitir que a Palestina, então colonizada por eles, fosse utilizada pelos sionistas para instalar novos colonos judeus. Mas isso só seria possível expulsando a população palestina que já existia.

    O líder sionista “revisionista” Jabotinsky – de cujas ideias foram formadas as organizações de extrema-direita Irgun e o Likud, de Begin e Netanyahu, este último primeiro-ministro de Israel por mais de uma década – levaria essa visão às suas últimas consequências, pregando um “muro de ferro” entre os judeus e os árabes habitantes da Palestina, sem qualquer “mistura de sangue” entre eles; ou seja, Israel deveria ser um Estado abertamente racista, exclusivamente dos judeus. Esse foi o projeto implementado que deu origem ao Estado de Israel, às custas da expulsão da população palestina. Como revela o historiador israelense Avi Shlaim em seu livro O muro de ferro – Israel e o mundo árabe (Editora Fissus, 2004), esse também foi o pressuposto não declarado do chamado sionismo laborista – e seu dirigente, David Ben-Gurion – que, de fato, realizou a limpeza étnica em 1948.

    O que é o antissionismo?

    O antissionismo é a oposição ao projeto político colonial sionista e a todas as suas ramificações. É estar contra a limpeza étnica, o racismo, o apartheid – que a própria organização israelense Bet’Selem, bem como as internacionais Anistia Internacional e Human Rights Watch, reconhecem –, e crimes contra a humanidade. A causa palestina, que sintetiza as lutas contra a opressão e a exploração em qualquer parte do mundo, é a causa pela libertação nacional do jugo do colonizador. Que coisa tem isso de racista? Nada. Ao contrário, ser antissionista é lutar contra tal situação.

    O resultado do projeto colonial sionista, fundado no final do século XIX, foi a Nakba, uma catástrofe com a formação do Estado racista de Israel em 15 de maio de 1948 por meio de uma limpeza étnica planejada – como hoje reconhecem até novos historiadores israelenses, como Ilan Pappé. Foram 800.000 os palestinos expulsos violentamente de suas terras e cerca de 500 vilarejos foram destruídos na “conquista da terra e do trabalho”, conforme pregava o movimento sionista.

    Como aponta o historiador palestino Nur Masalha em seu livro Expulsão dos palestinos: o conceito de ‘transferência’ no pensamento político sionista – 1882–1948 (Editora Sundermann, 2021), nos diários dos líderes sionistas já se via que, para seu propósito – criar um Estado judeu etnicamente homogêneo – seria necessária a “transferência populacional” dos palestinos nativos não judeus, que era majoritária, para fora de suas terras, enquanto os judeus europeus migrariam para a Palestina. E isso é o que aconteceu. Israel foi formado em 78% da Palestina histórica, sobre os escombros dos vilarejos palestinos e sobre os corpos de seus habitantes nativos. Sobre as lágrimas de milhares de pessoas que, da noite para o dia, tornaram-se refugiadas.

    Em 1967, Israel ocupou o restante dessas terras (Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental). Mais 350.000 refugiados. Hoje, existem 5 milhões em campos de exilados nos países árabes aguardando o retorno. Ainda há milhares na diáspora, e 1,9 milhão oriundos dos remanescentes da Palestina ocupada em 1948 (hoje chamada Israel) são tratados como cidadãos de segunda ou terceira classe, submetidos a cerca de 60 leis racistas. Nessa região, Israel sequer fornece aos palestinos o mínimo de serviços básicos em centenas de vilarejos beduínos, onde a especulação imobiliária avança às custas da demolição de casas. E os palestinos não possuem permissão de residência permanente. Por exemplo, a aldeia de Al Araqib já foi demolida mais de 190 vezes, e os palestinos, em um ato de resistência, continuam a reconstruí-la.

    Gaza é uma verdadeira prisão a céu aberto, onde 2 milhões de palestinos enfrentam uma dramática crise humanitária sob um bloqueio sionista desumano há 14 anos – com 96% da água potável contaminada e somente quatro horas de fornecimento elétrico por dia –, além de frequentes bombardeios. E, na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, a colonização avança em ritmo acelerado, na qual a limpeza étnica é parte instrumental. Há cerca de 3 milhões de palestinos sem nenhum direito humano fundamental assegurado, com inúmeras restrições de mobilidade: necessidade de diferentes documentos, proibição de circulação livre (existem estradas exclusivas para os colonos sionistas, por exemplo), centenas de postos de controle e um muro de apartheid com aproximadamente 700 km de extensão, que continua sendo ampliado, isolando famílias e anexando mais terras férteis.

    Israel não fornece aos palestinos nem mesmo o mínimo de água recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

    Boicote ao apartheid vs. hipocrisia

    Mas a Nakba continua: como agora denuncia também a Anistia Internacional, o regime é de apartheid, “um cruel sistema de dominação e opressão que Israel impõe ao povo palestino, seja ele residente em Israel ou nos territórios ocupados, ou mesmo refugiados deslocados a outros países”. É um crime contra a humanidade, no qual os palestinos vêm sendo tratados, há décadas, segundo a Anistia Internacional, como “uma raça inferior”. A Bet’Selem descreve o apartheid como “um regime de supremacia judaica” em toda a Palestina histórica: “Toda a área controlada por Israel, entre o rio Jordão e o mar Mediterrâneo, é governada por um regime único que trabalha para avançar e perpetuar a supremacia de um grupo sobre o outro. Por meio da engenharia geográfica, demográfica e física do espaço, o regime permite que os judeus vivam em uma área contígua, com plenos direitos – incluindo a autodeterminação – enquanto os palestinos vivem em unidades separadas e com menos direitos. Isso caracteriza um regime de apartheid, embora Israel seja comumente visto como uma democracia com ocupação temporária.

    Nessa situação, descrita em detalhe nos relatórios da Anistia Internacional, da Human Rights Watch e da Bet’Selem, os palestinos existem porque resistem heroicamente. E hoje a principal campanha de solidariedade é o BDS (boicote, desinvestimento e sanções) – baseada no modelo da campanha internacional que ajudou a pôr fim ao apartheid na África do Sul durante as décadas de 1970 e 1980 – que trata das demandas fundamentais do povo palestino: fim da ocupação, igualdade de direitos civis e retorno dos refugiados às suas terras. Os sionistas, inclusive aqueles que afirmam ser de “esquerda” (o que é uma contradição, já que defendem um projeto colonial utilizando uma retórica branda, um discurso contra as opressões), voltaram-se contra o BDS. Também rejeitam os relatórios que demonstram que os palestinos estão submetidos a um regime de apartheid. Tais organizações chamam de antissemitas todas as pessoas que se levantam contra esse Estado racista.

    No programa Flow Podcast, o sionista André Lajst, diretor executivo da organização Stand With Us no Brasil, um dia após os repugnantes discursos de Bruno Aiub e Kim Kataguiri, afirmou que o antissemitismo – “neste caso, a judeofobia, o ódio aos judeus, visto que existem outros povos semitas” – vinha se transformando ao longo da história. Segundo ele, nesse processo de mutação, esse ódio se converteria em “ódio aos judeus por causa de seu Estado-nação, isto é, o ódio exacerbado e desproporcional que as pessoas têm pelo Estado de Israel, que também seria uma espécie de antissemitismo. Não falo de crítica ao Estado, refiro-me à ilegitimidade de um país, de um lar nacional judeu ou ao combate ao movimento nacional judaico”. Assim, recorre a uma manobra para associar de forma distorcida antissionismo e antissemitismo.

    Trata-se de uma manobra clara: Lajst equipara defender o fim do Estado de apartheid de Israel a defender o fim dos judeus, ou seja, seu extermínio. O que haveria com a África do Sul ou com a Rodésia, governadas pela minoria branca segregacionista? Defender o fim do apartheid e defender o fim dos sul-africanos brancos seriam a mesma coisa? Não é isso o que a história demonstra. Não é o que afirmam os palestinos no caso de Israel. Como relatava um refugiado palestino expulso de sua terra em 1948, quando criança, “judeus, muçulmanos e cristãos brincavam juntos, sem rótulos”. Essa convivência jamais existiu na Palestina histórica – ela foi criada e continua sendo alimentada pelo sionismo.

    Contrariando a intervenção de Lajst no Flow Podcast, chama a atenção que organizações sionistas tenham declarado que o podcast deveria ser boicotado, exigindo e chegando à suspensão de patrocínios. “Ideologias que visam a eliminação do outro devem ser proibidas. Racismo e perseguições de qualquer identidade não configuram liberdade de expressão”, afirmou o coletivo sionista Judeus pela Democracia em seu Twitter.

    A ideia é correta. A apologia ao nazismo deve ser repudiada com todas as forças, por todos os meios. No entanto, causa indignação a hipocrisia, pois o BDS não pode atuar – é criminalizado e desqualificado. Não se pode denunciar o apartheid. Para eles, as vidas dos palestinos não importam, embora digam o contrário.

    O Estado de Israel, a materialização da ideia central do sionismo, baseia-se na eliminação do outro, através da limpeza étnica, massacres e na contínua desumanização. Ilan Pappé, em seu livro A limpeza étnica da Palestina (Editora Sundermann, 2016), não deixa dúvidas: “para muitos sionistas, a Palestina nem sequer era um lugar ‘ocupado’ quando começaram a se mudar para lá em 1882, mas sim uma terra ‘vazia’: os palestinos nativos que viviam ali eram, na maior parte, invisíveis ou, ao contrário, uma dificuldade natural que deveria ser conquistada e eliminada”.

    Os sionistas de esquerda, em defesa da existência de Israel, frequentemente se posicionam contra a ocupação – que, na prática, equivale a apartheid –, embora a ocupação implique segregação e discriminação. Eles defendem a já extinta e enterrada solução de dois Estados, como já reconhecem há anos intelectuais do porte de Ilan Pappé e até o ex-relator especial da ONU sobre os direitos humanos na Palestina ocupada, Richard Falk. Se essa suposta solução não fosse injusta desde o início – ao oferecer migalhas ao povo palestino e não contemplar sua totalidade, com a metade refugiada ou na diáspora –, ela seria completamente inviável devido à expansão colonial sionista. Hoje já existe um Estado único sobre o território palestino: Israel, um Estado de apartheid.

    Não há paz sem justiça. E a justiça só chegará com a derrota desse projeto colonial e, por consequência, com o fim do Estado de apartheid de Israel – na construção de uma Palestina livre, do rio ao mar, com o retorno de milhões de palestinos às suas terras. Ser antissionista e dizer essa verdade é ser coerente com a luta contra a opressão e a exploração em todo o mundo, incluindo o repúdio veemente ao antissemitismo e à apologia do nazismo.

    Consulte os relatórios (em inglês):
    Anistia Internacional – https://www.amnesty.org/en/documents/mde15/5141/2022/en/
    Human Rights Watch – https://www.hrw.org/sites/default/files/media_2021/04/israel_palestine0421_web_0.pdf
    Bet’Selem – https://www.btselem.org/sites/default/files/publications/202101_this_is_apartheid_eng.pdf

  • A invenção do povo judeu, de Shlomo Sand: uma obra demolidora do sionismo

    A invenção do povo judeu, de Shlomo Sand: uma obra demolidora do sionismo

    Existem inúmeros mitos na história, grandes falsificações que são transmitidas de geração a geração como se fossem verdades. Algumas dessas falsificações históricas têm um alcance mundial, como é o caso da natureza da população judaica que, motivada pelo sionismo, teria se deslocado para a Palestina e, numa ação de limpeza étnica, dado origem ao Estado de Israel.

    Por: José Welmowicki

    Se algum jornal ou revista europeu ou algum veículo da mídia norte-americana colocar o tema, ou se um professor universitário (pelo menos a maioria deles) de um desses países ensinar a um
    estudante qual a origem dos judeus, vai receber provavelmente a seguinte resposta:

    Os judeus são os descendentes diretos dos antigos hebreus, o povo que habitou a região da Judeia, o mesmo povo que criou a religião mosaica (de Moisés) ou Judaísmo, como é conhecida hoje. Eles foram expulsos pelo Império Romano por volta do ano 70 da era cristã (na chamada Diáspora) e, após uma longa jornada de quase 2 mil anos, retornaram à sua terra, a antiga Canaã bíblica, conhecida agora por Palestina. A partir desse retorno, fundaram o Estado de Israel.

    Essa “tese histórica” não passa de uma construção mítica pelo sionismo, mas é difundida como verdade. Tem defensores em toda a mídia e na quase totalidade dos partidos políticos dos países capitalistas, em particular dos imperialistas. Mas vem sendo colocada à prova devido aos crimes do Estado de Israel, os massacres genocidas que pratica, o racismo que alimenta e a permanente política de limpeza étnica que geram os protestos contra o apartheid e campanhas internacionais de boicote, como o BDS, que tem crescente apoio em todo o mundo.

    Para fazer frente a esses protestos e à indignação crescente contra o sionismo, os governos imperialistas defendem o Estado de Israel, alegando que são “exageros” ou más condutas de governos de um povo que foi perseguido, mas que está exercendo um direito “histórico legítimo”: o de voltar à sua terra ancestral e reconstruir seu Estado nacional. Enfim, seriam métodos equivocados em defesa de um direito, o direito do povo judeu de retornar à sua terra histórica.

    A invenção do povo judeu

    O historiador israelense Shlomo Sand fez uma pesquisa profunda sobre o tema e chegou à conclusão de que toda essa construção histórica não tem a menor base científica. E ainda mais impactante: ele apoia-se na própria historiografia judaica e na arqueologia israelense para demonstrar a falsidade dessa versão e chama, com toda a razão, esse conjunto de mitos de A Invenção do povo judeu, título de seu livro.

    Shlomo Sand é professor de História Contemporânea da Universidade Hebraica. Nasceu na Alemanha, num campo de refugiados, logo após a Segunda Guerra Mundial, em 1946. Emigrado aos dois anos de idade com seus pais para a Palestina, viveu toda sua vida posterior como israelense. Jovem ainda, teve de lutar na Guerra dos Seis dias (1967), em que Israel terminou de ocupar toda a Palestina. Desde aí, começou a questionar o caráter dessa guerra e o próprio sionismo. Daí veio sua decisão de investigar as raízes da ideologia sionista para verificar se tinha algum sentido a versão oficial sobre a justificação da colonização judaica na “Terra Prometida”.

    O livro de Shlomo Sand tem uma qualidade que dá grande valor às suas afirmações. Ao ser feito em Israel, ele pôde utilizar as descobertas arqueológicas israelenses, revelando algumas que contrariavam as versões oficiais e eram omitidas, desmistificando as fraudes com rigor científico e trazendo-as à luz da história e da arqueologia para derrubar esses mitos de forma corajosa e, ao mesmo tempo, séria e metódica. Vejamos os principais mitos que ele desconstrói.

    Os mitos

    1. O mito da Diáspora (dispersão): os judeus foram um povo que ocuparam aquela terra desde Abraão, passando por Moisés e, depois de dois exílios, da queda do Primeiro Templo pela invasão da Babilônia, e do Segundo Templo, já no Império Romano, Roma decidiu expulsar completamente esse povo da chamada Terra Santa, o que ocasionou a diáspora.

    Munido de farta documentação, Sand demonstra que não houve nada semelhante, sequer vagamente, a essa pretendida expulsão. Nem era a política dos romanos que, embora dominassem com extrema crueldade, escravizassem os povos, prendessem os rebeldes eventuais, não tinham como prática expulsar povos inteiros. Mais ainda, não há registros dos historiadores da época, dos comentaristas, sobre essa suposta expulsão, mesmo depois das revoltas dos Celotes e de Simon bar Kochba.

    Por outro lado, há registros de comunidades judaicas anteriores, que viviam nas imediações da Palestina, como por exemplo na Babilônia (império que ocupou a Mesopotâmia, onde fica o atual Iraque), e em Alexandria (atual Egito), desde antes desse período e que não fizeram nenhum esforço para “retornar a Sião”. Não existe nenhuma prova – antes de surgir o movimento sionista em fins do século XIX – de que houvesse uma comunidade judaica que, por séculos, quisesse voltar.

    O sionismo assumiu a versão herdada de historiadores como Heinrich Graetz sobre uma suposta perenidade de um sentimento judaico por uma volta à Palestina e aproveitou-se do mito para sustentar sua tese de ser um movimento de libertação nacional, como parte de uma série de movimentos libertadores para trazer de volta esse povo para o que eles proclamavam ser sua antiga terra (Zion ou Sion). Ou, como eles formularam: “voltar a Sião”.

    1. A História Judaica é uma confirmação dessa descendência dos judeus em relação a seus antepassados hebreus.

    Sand demonstra que a assim chamada História Judaica não passa de uma versão do Velho Testamento. Até o século XIX, não havia uma historiografia judaica propriamente dita. Os criadores da História Judaica são bem recentes. Heinrich Graetz, judeu alemão, Simon Dubnow, russo, e Salo W. Baron, norte-americano, já no século XX, criaram o que se convencionou chamar uma História Judaica. Essa foi a fonte da historiografia sionista posterior.

    Sand resume o conteúdo dessas obras e explica como seus autores se limitam a tomar os relatos bíblicos e dar-lhes um caráter histórico, retirando-lhes alguns aspectos mágicos, ou sobrenaturais. Quando suas assertivas se chocam com a realidade, explicam suas incoerências e contradições alegando que as descobertas históricas e arqueológicas são irrelevantes ou considerando os personagens como expressão simbólica de um fato, e continuam a aceitar os relatos bíblicos que os envolvem como simbólicos de tais fatos dados como verdade.

    Suas teses simplesmente tentam dar às versões bíblicas um rigor histórico, laico, pretensamente científico: assim, esses historiadores aceitam todo o relato bíblico sobre a ida dos hebreus ao Egito e sua fuga (o êxodo) com Moisés à frente como um fato, embora sem os milagres. Por isso, aceitam a existência de Moisés e do êxodo, mesmo sabendo que a versão de que houve um êxodo em massa dos hebreus para Canaã (nome bíblico da Palestina), naquele momento, era inviável (um povo inteiro passar 40 anos no deserto!) e sem sentido, pois a Palestina também estava ocupada pelo império dos Faraós.

    Aceitaram como um fato a existência de dois grandes reis, Davi e Salomão, e a divisão posterior em dois reinos, Judá e Israel. As descobertas não confirmam essa versão bíblica. Quando algum historiador crítico chamava sua atenção para as incongruências dos relatos e como não se coadunavam com as pesquisas existentes e as descobertas arqueológicas, eles acusavam a esses críticos de mal interpretar e até de ter uma visão antissemita.

    1. O uso da Bíblia como fonte de informações

    Sabe-se que o estudo e a prática da arqueologia sempre foram muito difundidos em Israel, a ponto de tornarem-se uma verdadeira mania entre alguns dirigentes políticos, como Ben Gurion. A arqueologia serviu, primeiramente, para afirmar os mitos do sionismo. Porém, em seguida, descobertas inconvenientes começaram a aparecer e a jogar por terra as supostas verdades: por exemplo, que existiram os dois reinos, Judá e Israel. Outra dúvida é se existiu, de fato, a fuga do Egito, o chamado êxodo, tão celebrado na religião e no cinema, com filmes famosos como Os 10 Mandamentos. Para desespero dos sionistas, as pesquisas não confirmavam essa versão bíblica. As ruínas mostraram que não havia provas da existência do Primeiro Templo 1 e destruiu a pretensa história de um povo que sempre esteve ligado à terra prometida (Sião) e cujo destino era retornar a ela. Em outras palavras, a própria arqueologia israelense, tão reverenciada, na verdade, mostrou que as alegações da Bíblia não eram uma repetição, embora com acréscimos “mágicos”, de uma história real de um povo, mas de relatos míticos que nem sequer estavam associados à existência de muitos dos personagens descritos.

    Quem escreveu o Velho Testamento?

    O mais provável é que haja uma descontinuidade bem grande e que, quando ergueram o Segundo Templo, por volta do século VI a.C., tenha havido um curto período de recomposição quando Esdras e Neemias 2, vindos da Babilônia, foram a Canaã. Embora haja discussões sobre a data exata, o mais provável é que quem escreveu o Velho Testamento tenha vivido entre os séculos VI e V a.C., e a partir dessa data, imaginou um relato do que se passou em todo aquele passado remoto, desde a origem hebraica, com Abraão, depois José, Moisés etc. Ou seja, a história judaica tal como se conhece, ao basear-se na Bíblia, não tem nenhum rigor histórico. As descobertas incômodas eram deixadas de lado pela arqueologia e pela historiografia oficial ou justificadas com argumentos insustentáveis pelos ideólogos do Estado de Israel para adaptá-las, forçadamente, ao relato bíblico dado como fonte histórica a priori.

    1. Os judeus de hoje são todos descendentes dos antigos hebreus que tiveram de se exilar após a diáspora.

    Para os historiadores oficiais da chamada História Judaica e para os sionistas, a diáspora teve como consequência o espalhamento dos judeus pelos outros continentes, distantes de sua terra pela qual nunca deixaram de sentir um desejo de retorno. Quando os historiadores sionistas falam em diáspora, partem do pressuposto de que esses judeus, supostamente expulsos no século I, teriam continuado a ser um povo, ou seja, eram a mesma etnia que mantinha, a todo custo, sua cultura e sua religião em outras terras, quando não era obrigada a converter-se, outro mito desmascarado por Sand.

    Na verdade, além de terem vários de seus fieis convertidos a outras crenças e culturas, no que é chamado pelos próprios religiosos judaicos de “assimilação”, o judaísmo também era proselitista, ou seja, seus defensores convertiam grupos e povos ao longo de sua trajetória. Há registros de comunidades e reinos inteiros convertidos ao judaísmo em várias regiões, como os reinos berberes da tribo Djeraoua [habitantes de Aurés, região no leste da Argélia, N. do T.]. A existência de um reino berbere judaico e de sua famosa rainha Kahina prova que a expansão proselitista chegou à África. No livro de Sand, há farta informação sobre esse processo de conversão de comunidades ao judaísmo.

    Na Ásia, na própria península arábica, houve um reino nabateu de fé judaica até o ano 106. Antes da ascensão do Islã, os judeus instalaram-se em cidades como Yathrib (depois rebatizada como Medina). Há inclusive a hipótese de que o monoteísmo judaico tenha influenciado o estabelecemento das bases espirituais que permitiram a ascensão do Islã, o que refreou a expansão do judaísmo. A maior prova dessa presença do judaísmo na área foi o reino de Himiar (nome de uma tribo da região) no atual Iemen, que durou do final do século IV ao século VI.

    Mas houve um reino de maior influência sobre o futuro judaísmo, que provavelmente gerou as numerosas comunidades judaicas polonesa, russa, romena etc. Esse reino foi o dos khazares, que chegou a ter uma extensão enorme, indo das estepes vizinhas do Volga e norte do Cáucaso até o mar Negro e o mar Cáspio. Em seu apogeu, chegou até Kiev, na Ucrânia, e à Crimeia, no sul, estendendo-se do alto Volga até a Geórgia atual. Sua conversão, por um rei chamado Budan, data do século VIII. O reino khazar agregou várias etnias, tais como búlgaros, alanos, eslavos, magiares. Durou até o século XI, destruído após sucessivas derrotas ante os mongóis e outros reinos ucranianos e russos.

    Desprezada pela historiografia judaica oficial, pois também desmente a ideia de que os judeus europeus do século XX eram descendentes dos hebreus da Terra Prometida, a história dos khazares dá a chave para entender a constituição étnica de boa parte dos judes europeus. Há vários documentos que atestam a importância desse reino para a formação das comunidades judaicas da Ucrânia, da Lituânia e da Polônia e para a formação dos ashkenazis 3 em geral. Mesmo o russo Simon Dubnov, um dos principais historiadores da História Judaica, reconheceu a importância desse reino e que ele era parte da “história do povo judeu”.

    O mesmo fez Abraham Polak, historiador sionista que escreveu um livro dedicado ao tema, Khazária, publicado em 1951. Mas esse reconhecimento durou até a fundação de Israel. Depois disso, houve a necessidade de “adequar a história” aos postulados sionistas. Aí reside o problema: os ashkenazim formam a maioria das comunidades judaicas no mundo hoje e foram a base para a ascensão do sionismo. Era muito incômodo reconhecer a existência de um povo de origem distinta à dos hebreus da Terra Prometida e que tivesse um papel decisivo na formação das comunidades judaicas da Europa e dos ashkenazim em especial e no próprio movimento sionista.

    Sand relata que, de 1951 até a edição de seu livro, nenhuma publicação em hebraico foi feita sobre os khazares, nem mesmo a reedição do livro de Polak. O fundamental para o establishment sionista era a necessidade de tirá-lo de cena, fazer com que esse reino de um povo convertido ao judaísmo fosse esquecido.

    Para isso, o sionismo teve a ajuda do stalinismo. Na década de 1920, houve uma série de pesquisas sobre os khazares na União Soviética, mostrando as raízes judaicas desse reino e seu papel na formação da Rússia.

    Nos anos 1930, Stalin, que controlava a pesquisa histórica e a censurava com mão de ferro, moldando-a de acordo a suas necessidades políticas, condenou essas pesquisas, pois queria negar a outras culturas que não a russa um papel de importância, e proibiu a publicação de materiais sobre esse reino e seu papel na origem da nação. Os historiadores tiveram de se autocriticar ou se silenciar.

    Em 1976, o famoso escritor Arthur Koestler, ex-comunista e sionista militante, escreveu um livro sobre os khazares, A 13ª tribo. Esperava, com isso, negar a origem racial dos judeus e deixar sem argumento os antissemitas, ao demonstrar que os judeus não pertenciam a uma raça, e eram uma fusão de várias origens étnicas. Mas os sionistas não podiam tolerar tal desmentido a seu postulado do “povo eleito que retorna à sua pátria”. O embaixador de Israel na Grã-Bretanha tachou essa publicação de “uma ação antissemita subvencionada por palestinos”. A Organização Sionista Mundial cobriu o escritor de insultos e mobilizou professores como Zvi Ankori, que alegou que a tese era “prejudicial ao Estado de Israel”.

    A versão oficial sionista era a de que a comunidade ashkenazim provinha dos hebreus através de um largo percurso: seria procedente da Alemanha que, por sua vez, viria da Itália, descendentes dos hebreus que haviam sido levados à capital do Império Romano na Idade Antiga.

    Mas, como nota Sand, é difícil aceitar essa versão: todas as informações existentes comprovam ser minúscula a comunidade judaica alemã no início da Idade Média, supostamente originada dos hebreus. Como essa pequena comunidade poderia ser a origem dos judeus da Europa Oriental?

    Os judeus da Europa na Idade Média, e até hoje, mesmo com o genocídio nazista, que atingiu fundamentalmente os ashkenazim, agrupam cerca de 75% a 80% de todos os judeus do mundo. A Europa Oriental, na chamada Terra do Iídiche 4, foi origem de uma série de movimentos culturais e artísticos, políticos e científicos, com a participação de judeus ashkenazim. O iídiche era o dialeto falado pelos judeus da Europa Oriental, mas o sionismo baniu essa língua e impôs o hebraico como língua oficial.

    Uma pesquisa mais detalhada sobre os hábitos culturais da enorme comunidade judaica da Europa Oriental indica uma proximidade muito grande com os não judeus de seus países, sejam polacos, ucranianos, lituanos, romenos ou russos. O que indica ser muito mais provável que a origem da maioria dos askenazim seja a dos khazares convertidos, obviamente em combinação com as etnias da região. Mas não há como demonstrar que a origem de toda essa comunidade
    da Europa Oriental venha dos hebreus.

    Conclusão: a ironia da história

    Como se sabe, para a ideologia sionista, a volta a Sião significava retomar uma terra que tinha uma população concreta, os palestinos. Por isso, era necessário justificar essa solução como natural, legítima. Essa foi a razão para criar o famoso slogan: “Uma terra sem povo para um povo sem terra”.

    O mais provável é que os descendentes dos antigos judeus, habitantes da então Judeia, não sejam os que hoje reivindicam essa identidade de sionistas, mas sim os palestinos. Sand analisa a história das ocupações desse território desde o Império Romano e da destruição do Segundo Templo em Jerusalém. O Império Romano ocupou a Palestina desde esse momento e, com a divisão em dois impérios, um deles, o Império do Oriente ou Império Bizantino, manteve o controle da Palestina até o século VII. Esse império cristão era extremamente opressor contra as demais religiões. Já a ocupação pelo Império Muçulmano abriria a possibilidade para os crentes de outras religiões – em especial as monoteístas – aderissem e, inclusive, tivessem regalias em relação a impostos sobre os não crentes.

    É muito plausível que uma boa parte dos “judaístas” tenha optado por aderir a essa nova religião monoteísta e mais integradora que a dos cristãos bizantinos.

    O mais incrível é que os primeiros sionistas que chegaram à Palestina no final do século XIX e início do século XX eram bem conscientes dessa possibilidade e, por isso, sonharam inclusive com a adesão dos camponeses locais, os felás, ao projeto sionista.

    Israel Belkind, que emigrou em 1882, dizia que os palestinos deviam ser descendentes dos antigos judeus e que apenas a elite havia deixado a terra na época da revolta de Bar Kochba. Portanto, os sionistas deviam buscar trazê-los para o projeto do Estado judeu.

    Borochov, fundador do Poalei Zion, origem da assim chamada esquerda sionista, afirmou em 1905:

    «A população autóctone do país de Israel [Palestina, na sua fonte original] é mais próxima dos judeus por sua composição racial que qualquer outro povo e até mais que outros povos ‘semitas’. Pode-se levantar a hipótese muito plausível de que os felás do país de Israel sejam os descendentes diretos dos vestígios da implantação judaica em Canaã, com um leve complemento de sangue árabe, porque, como se sabe, os árabes, esses orgulhosos conquistadores, misturaram-se relativamente pouco com a massa dos povos que subjugaram nos diversos países» (apud Sand, p. 334).

    Ben Gurion, discípulo de Borochov, fundador e primeiro chefe de governo de Israel, de 1948 até os anos 1960, escreveu em 1918 um livro em parceria com Ytzhak Ben Zvi, outro fundador e presidente de Israel, cujo título era Eretz Israel no passado e presente.

    Nesse livro, dedicaram um capítulo à história dos felás, afirmando que «a origem dos felás não remonta aos conquistadores árabes que dominaram Israel e a Síria no século VII de nossa era. Os conquistadores não eliminaram a população de lavradores que ali encontraram. Expulsaram apenas os soberanos bizantinos estrangeiros. Não fizeram mal algum à população local. Os árabes não se preocupavam em fazer assentamentos. Os filhos dos árabes não praticavam mais a agricultura em seus locais de residência anteriores […]. Quando conquistavam novas terras, não procuravam novos terrenos para desenvolver uma classe de camponeses-colonos que, aliás, era quase inexistente entre eles. O que lhes interessava era de ordem política, religiosa e financeira: governar, difundir o Islã e arrecadar impostos” (apud Sand, p. 336).

    Em 1967, o historiador Abraham Polak, fundador do Departamento de História da Universidade de Tel Aviv, quis estudar a “origem dos árabes autóctones” e escreveu um ensaio em que assumia
    a possibilidade de que os palestinos fossem descendentes dos antigos judeus que habitavam a região e haviam sido integrados e convertidos ao longo de séculos, ainda mais numa região de passagem como era esse território situado entre o rio Jordão e o mar, onde várias populações se misturaram a seus conquistadores, vizinhos ou súditos. Mas Polak trabalhava com a hipótese de que os judeus do passado, em sua maior parte, converteram-se à religião muçulmana, e que uma continuidade demográfica teria sido mantida da Antiguidade aos dias de hoje.

    Polak quis fazer uma pesquisa para averiguar essa hipótese, mas não conseguiu nenhum apoio na universidade, pois sua pesquisa contrariava frontalmente a tese sionista. Se fosse provado que, em grande parte, os palestinos eram os verdadeiros descendentes dos “judaístas”, dos hebreus, todo o edifício sionista cairia por terra.

    Ou seja, existe uma hipótese levantada, até mesmo pelos primeiros sionistas, de que os palestinos podem ser os descendentes dos judeus de dois mil anos atrás. E a proibição a que essa hipótese seja investigada só se explica porque, caso fosse comprovada, se confirmaria uma ironia da história: que os sionistas não somente não têm a descendência que apregoam desses habitantes, mas também que eles teriam invadido a Palestina para expulsar os verdadeiros descendentes dos hebreus.

    Convidamos nossos leitores a ler o livro de Sand, aprofundar o estudo sobre os mitos e conhecer melhor esses fatos demolidores das teses sionistas.

    Notas

    1. Segundo o Velho Testamento, após um período de luta para constituir uma nação, os hebreus derrotaram vários inimigos.Tiveram como líderes os juízes (entre eles, Sansão, Samuel) e fundaram um reino único, o qual teve três reis, Saul, David e Salomão. Davi é conhecido pela fábula da luta contra o gigante Golias. Segundo esse relato bíblico, o rei Salomão construiu um templo suntuoso, que ficou conhecido como Primeiro Templo, que teria durado até o século VI a.C., pois teria sido destruído após sucessivas invasões de egípcios, assírios e, finalmente, seria arrasado pelos babilônios. Após a derrota dos babilônios pelos persas, o imperador Ciro da Pérsia permitiu o retorno de um grupo de hebreus, liderados por Esdras, um sacerdote, e Neemias, um nobre, que foram autorizados a reconstituir uma comunidade judaica e, em seguida, construíram um templo em Jerusalém, que ficou conhecido como o Segundo Templo. ↩︎
    2. Esdras era um sacerdote judeu que vivia na Babilônia e, autorizado pelo imperador persa, levou um grupo de fiéis para instalar uma comunidade judaica em Canaã. Com a ajuda de Neemias, um nobre, construíram um templo em Jerusalém, chamado de Segundo Templo. (J. W.) ↩︎
    3. Os judeus da era moderna dividem-se, em geral, entre os ashkenazim e os sefaradim. Os primeiros eram os judeus que habitaram a Europa Oriental e deram origem a comunidades judaicas numerosas no resto do mundo, como na América do Norte e na América Latina. Sua maior concentração até a Segunda Guerra Mundial era nos países da Europa Oriental, em particular nos de maioria eslava, como Polônia, Ucrânia e também na Lituânia, Hungria e Romênia. Os Ashkenazis desenvolveram uma cultura rica, com seu próprio dialeto: o iídiche. Os sefaradis são os judeus originários da Ásia, que se estabeleceram na Espanha e tinham um dialeto e uma cultura próprias, diferentes das dos ashkenazis. ↩︎
    4. O iídiche era o dialeto falado pelos judeus da Europa Oriental, onde se desenvolveu toda uma rica cultura, com sua literatura, música, etc., com autores como Scholem Aleichem. Com o advento do sionismo, ela foi relegada a segundo plano. O sionismo negou esse patrimônio cultural, alegando que “era o idioma da diáspora”. Os sionistas recriaram o hebraico, que era um idioma usado somente em orações, e o impuseram como o idioma oficial em Israel. ↩︎

    Publicado em março de 2015, na revista Marxismo Vivo N. 5.

  • A derrota militar de Israel é possível

    A derrota militar de Israel é possível

    Até o ano passado, era difícil pensar a possibilidade de uma derrota militar de Israel em sua guerra permanente genocida contra o povo palestino.  Hoje, importantes intelectuais, como Ilan Pappe, já preveem o colapso de Israel ou sua derrota militar a curto prazo. 1

    Por: Jose Welmowick, Jorge Martinez e Américo Gomes

    A crise no governo de Netanyahu e no Estado de Israel já existia antes do ataque do Hamas em 7 de outubro, no entanto, o ataque daquele dia e a resistência palestina, que não é derrotada depois de 8 meses de combate, estão agravando-a.

    Além da heroica resistência palestina, as grandes manifestações internacionais, principalmente nos países imperialistas e algumas ações dos trabalhadores destes países, desmascararam o governo israelense e potencializam a grave instabilidade política em Israel.

    A política do imperialismo de impor um enclave sionista em uma região de árabes e muçulmanos no Oriente Médio pode estar à beira de uma derrota histórica. Um dado que Ilan Pappé chama a atenção é sobre o número de judeus israelenses que estão deixando o país, preocupados com a segurança. Ele calcula em uns 500 mil israelenses tomando essa atitude, ou seja cerca de 10% da população judaica. O ex-primeiro-ministro Naftali Bennet publicou um chamado emocional para que os judeus não abandonem Israel neste momento delicado. 2

    Do ponto de vista político, portanto, já há uma derrota. Uma expressão disso é que a maioria da vanguarda da classe trabalhadora dos países ocidentais já identifica o Estado de Israel como um Estado repressor e opressor que está praticando um genocídio contra todo um povo. A maioria da juventude judaica dos EUA, país chave para a manutenção do Estado de Israel, já não se identifica com Israel e participa em massa das manifestações contra o genocídio na Palestina. Já está se dando uma derrota política para o sionismo, e a realidade do Oriente Médio já não será a mesma depois destes últimos meses.

    Embora nem todos vejam que este regime nazista e racista necessita ser destruído e eliminado, o que só pode ocorrer de maneira violenta, o repúdio é cada vez mais estendido, tendo atingido as maiores universidades dos EUA, tais como Harvard e Columbia.

    O problema está em que a maioria das organizações operárias, mesmo as que se apresentam mais à esquerda, apoiam, explicita, ou tacitamente a política de manutenção dos dois Estados e não desenvolvem uma política efetiva de apoio militar à resistência palestina.

    Em virtude desta posição, a maioria das organizações não desenvolve uma política efetiva de apoio militar à resistência palestina, nem se faz uma política de exigência para que os governos da região rompam as relações com Israel, declarem-se solidários e apoiem o esforço dos palestinos para derrotar Israel militarmente.

    Por outro lado, se aqueles que se dizem pela vitória da resistência, como o Hezbollah e o Irã apoiassem efetivamente e abrissem uma outra frente de combate, acelerariam a crise e a derrota militar do enclave sionista.

    A farsa da democracia do estado de Israel

    Israel tenta se apresentar como uma democracia, inclusive que respeita as minorias oprimidas, diferente dos outros países da região, como os Estados muçulmanos.

    No entanto, o regime que existe é o de um estado colonial de apartheid, que pratica discriminação e segregação racial sistêmica de forma desumana para oprimir os palestinos. Na realidade, os cidadãos palestinos de Israel são de segunda classe e os palestinos dos territórios ocupados são submetidos a regras coloniais 3 sem ter nenhum direito. As prisões sionistas estão repletas, com milhares de prisioneiros palestinos presos sem sequer uma acusação formal, mas que ficam meses ou anos detidos sem ter acesso sequer a um julgamento.

    Israel realiza eleições regulares, tem um parlamento, um Supremo Tribunal e instituições clássicas de uma democracia, e uma imprensa em alguma medida livre para os israelenses, mas nada para os árabes.  A propaganda sionista fala todo o tempo de ser a única ‘democracia’ do Oriente Médio.  Na verdade, esta democracia parlamentar é para os cidadãos judeus, pois os árabes são excluídos. Mesmo nela, uma série de decisões políticas e jurídicas autoritárias foram tomadas nos últimos anos apenas para salvar o poder do atual governo Netanyahu, que inclusive levaram a protestos de massa dos próprios israelenses nas ruas.

    Na Cisjordânia, existe uma série de assentamentos judeus ilegais pelas normas do direito internacional e da ONU e, além disso, os muros que separam Israel dos territórios ocupados obrigam os palestinos que vivem nas cidades da área a passar por um emaranhado de postos de controle se quiserem se deslocar por esses territórios ou trabalhar dentro das fronteiras de Israel de 1967, nos quais são submetidos a humilhações diárias e retenção em filas por horas a fio. E os colonos judeus dessas áreas são a base para os agrupamentos diretamente fascistas que integram governos como o de Netanyahu e ministros importantes como Smotrich ou Bengvir que falam abertamente no extermínio físico dos palestinos.

    O fato é que 5 milhões de palestinos que estão sob ocupação israelense não têm direitos nem mesmo a voto. Se todos que estivessem sujeitos à autoridade israelense tivessem o direito de votar, a maioria seria palestina. Se incluirmos os milhões de refugiados palestinos fora do país que gostariam de regressar à sua terra natal, o quadro se torna ainda mais complexo para os sionistas. Por isso, a maioria eleitoral sionista tem feito uma série de leis discriminatórias que visam limitar os direitos de cidadãos não-judeus de Israel cada vez mais.

    Essas são as principais razões pelas quais muitos observadores internacionais não consideram Israel uma verdadeira democracia. Assim como as entidades de direitos humanos, cada vez mais, responsabilizam Israel por estar cometendo um genocídio com sua agressão assassina em Gaza e na Cisjordânia.

    Israel não aceita o estado palestino

    Apesar da farsa imperialista da política dos dois Estados, para os partidos que governam Israel, a única opção possível neste momento é uma solução de um Estado único, mas desde que se mantenha o status quo de um Estado com territórios ocupados e apartheid e nem consideram a possibilidade de um Estado palestino na Cisjordânia e em Gaza, onde os palestinos tenham plenos direitos políticos.

    A saída democrática está na proposta original da OLP, de uma Palestina única, livre, laica e democrática. A política dos ‘dois estados” serve apenas para encobrir os países imperialistas que apoiam Israel com uma aparente política de “justo meio”, pois levantam essa posição para atrair um setor da sociedade palestina e para justificar sua posição pró-Israel e tentar dar credibilidade a seus esforços de impor uma ‘paz dos cemitérios’, que acabe com a revolta palestina. Mas o setor que simboliza essa política no interior da sociedade palestina, a ANP e seu líder Abbas tem cada vez menos apoio, e na verdade cumpre um papel de polícia interna da ocupação sionista.

    A política de dois Estados também serve para ganhar tempo para levar a cabo o genocídio do povo palestino, à medida que Israel aumenta a sua ocupação territorial ilegal, inflando a imigração, e tentando crescer aumentando a natalidade entre as comunidades religiosas fundamentalistas.

    A verdadeira política que se vê na realidade é a que afirma o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu: “Vamos transformar Gaza numa ilha deserta. Aos cidadãos de Gaza, eu digo: vocês devem partir agora. Iremos atacar todos e cada um dos cantos da faixa.” Para os sionistas, a alternativa para os palestinos é evacuar ou morrer com os palestinos não tendo para onde correr.

    Israel não é invencível

    A invencibilidade militar de Israel foi por terra. Seu grande desenvolvimento tecnológico e capacidade de monitoramento têm sido vendidos através de seus softwares espiões, como o Pegasus, para muitos países ao redor do mundo, incluindo países árabes.

    Mas o ataque do Hamas em 07 de outubro demonstrou que o sistema de inteligência das forças de Israel, com seus drones de vigilância, suas câmeras de segurança e todo seu aparato de coleta de informações mostrou-se um fracasso. 

    Além da confiança em sua tecnologia militar Israel confiava em seu muro, construído com alto custo, que os combatentes palestinos simplesmente demoliram com escavadeiras e caminhões, passaram com motocicletas e jipes e sobrevoaram com asas deltas.

    Os soldados que o guarneciam foram esmagados e demonstraram pouca resistência, mostrando que estavam com o moral baixo. Desmoralização que se reflete na incapacidade das forças armadas de derrotar a resistência palestina depois de 8 meses de combate e de toda a destruição provocada em Gaza.

    Essa situação levou o principal porta-voz das Forças de Defesa de Israel, Contra-Almirante Daniel Hagari, a afirmar que “o Hamas é uma ideia” que não pode ser eliminada e não dizer isso é “jogar areia nos olhos do público“.

    Recentemente, o New York Times publicou uma matéria, mostarndo que os principais generais de Israel defendem um cessar-fogo na Faixa de Gaza, mesmo com o Hamas mantendo o poder. Cresce a diferença entre o comando militar e o governo Netanyahu, que continua defendendo que a guerra só terminará “depois de ter atingido todos os seus objetivos, incluindo a eliminação do Hamas e a libertação de todos os nossos reféns“. Os generais admitem que estão subequipados para os combates, com menos munições, menos peças de reposição, e menos energia moral. 4

    Estes fatos obrigaram Netanyahu a dissolver seu gabinete de guerra, ainda mais depois que o ex-ministro da Defesa Benny Gantz acusou-o de atrapalhar a “vitória real“. A divisão nos altos escalões do estado sionista é uma expressão do fracasso de sua ofensiva para esmagar a resistência. Netanyahu é acusado abertamente de manter a guerra para salvar seu mandato, já que uma vez que o conflito acabe, ele corre o risco de ser julgado inapto para o cargo por corrupção. Manifestações com dezenas de milhares de israelenses vêm crescendo, exigindo um acordo de cessar-fogo e que Israel aceite a proposta da resistência palestina e faça a troca de reféns israelenses por prisioneiros palestinos feitos por Israel em todos esses anos de ocupação.

    A resistência palestina se mantém forte em Gaza e na Cisjordânia

    Além de não ter conseguido destruir a resistência palestina em Gaza, o exército de Israel está sendo obrigado a renovar os combates mesmo nas áreas da Faixa que foram ocupadas. Apesar do governo Netanyahu afirmar que desmantelou o aparato militar da Resistência no norte da Faixa de Gaza, em janeiro de 2024, no bairro de al-Shujaiya, na Cidade de Gaza, estão se dando violentos combates há meses. Com as forças blindadas e de infantaria israelitas recebendo reforços e estando mais bem equipadas e com maior poder de fogo, apoiadas pela Força Aérea. Os combatentes da Resistência Palestina estão enfrentando as forças hostis e causando baixas em forma permanente ao inimigo nessa região.

    Segundo informa o site Al Mayadeen, as Brigadas al-Quds da Jihad Islâmica Palestina (PIJ) atacaram os tanques israelenses Merkava 4, usando o Shawaz EFP, (uma ogiva autoformada) e foguetes (RPG) al-Yassin. Combatentes do Al-Qassam também enfrentaram as forças de ocupação em Tal al-Hawa, outro bairro no sul da Cidade de Gaza, disparando um RPG contra os soldados.

    As forças de ocupação no assentamento de Netsarim e em Kissufim foram atacadas em suas bases militares por combatentes da Resistência, que dispararam vários tipos de projéteis de artilharia e foguetes em sua direção. 5

    Depois da invasão terrestre da Faixa de Gaza, no final de outubro de 2023, a Resistência Palestina, com as Brigadas al-Qassam do Hamas, recuperaram capacidades operacionais eficazes em Jabalia e seu campo de refugiados, no norte de Gaza.

    Em Rafah, a Resistência Palestina continua a enfrentar as forças de ocupação lançando foguetes contra instalações militares israelenses, como em Sufa, leste da cidade, e no bairro de al-Saudi, o local da base militar de Karem Abu Salem. Uma equipe de franco-atiradores da Al-assam conseguiu abater soldados israelenses perto da mesquita al-Shibli, no leste de Rafah. As Brigadas também dispararam foguetes RPG al-Yassin contra um APC israelense no bairro de Al-Saudi. No bairro de al-Shaboura, combatentes de Al-Qassam dispararam projéteis RPG contra os tanques israelenses Merkava.

    Também na Cisjordânia, a resistência está infligindo perdas às tropas de ocupação sionistas.  Em Jenin, as Brigadas Al-Quds estão enfrentando as forças de ocupação israelenses que invadiram a cidade. Com seus artefatos explosivos improvisados (IEDs). Na área de Sahel Marj Bin Aamer, no norte de Jenin, vários soldados israelitas foram feridos, no que foi chamado pelas Brigadas de “Operação Fúria de Jenin 2“. Veículos blindados israelenses foram destruídos, como o Panther Personnel Carrier (APC).

    Essas são demonstrações de que a disposição dos combatentes da Resistência Palestina é de continuar a lutar contra a ocupação israelense até que esta seja derrotada na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. 6

    Estes combatentes necessitam de apoio político, contrabandos de armas e de que as nações árabes e muçulmanas da região se unam e isolem Israel em toda a região.

    As manobras imperialistas

    Como a situação está adversa para Israel e os sionistas, apareceram outras propostas de saída negociada. Nos marcos da ONU, os integrantes do Conselho de segurança como China e Rússia tentam conseguir uma suspensão das hostilidades, para que os negócios voltem a fluir.  Porém, esses países, apesar de algumas declarações e críticas ao Estado sionista, assim como os governos das nações árabes e muçulmanas, não fazem nada efetivamente para ajudar a Resistência. Todos se disciplinam às decisões do Conselho de Segurança, onde os EUA, com seu direito de veto, impedem qualquer política efetiva que obrigue Israel a recuar da invasão genocida a Gaza, e da repressão assassina na Cisjordânia.

    De fato, esperam que Israel aplaste a Palestina para que a região volte à ‘normalidade’. Enquanto o imperialismo, por seu lado, unificado, fala sobre a política dos dois Estados, visando derrotar a resistência palestina com manobras protelatórias e dissuasivas.

    Os EUA chegaram a falar em suspensão do fornecimento de ajuda militar a Israel, mas nada disso se efetivou, muito pelo contrário. 7 Os pedidos de mandados de prisão dos líderes de Israel e do Hamas apresentados no Tribunal Penal Internacional (TPI) expressam o repúdio massivo que está tendo o genocídio transmitido ao mundo com imagens ao vivo, mas não têm o poder de impedir a continuidade da invasão, nem o apoio militar decisivo dos EUA a Israel. E quando a Espanha, a Noruega e a Irlanda reconhecem formalmente a Palestina como Estado, é só para encontrar um caminho para estabilizar a situação, com o objetivo de ganhar tempo para a derrota da Resistência Palestina.

    Um programa para a vitória militar

    Por Israel ser uma potência militar que visa massacrar um povo em condições de inferioridade militar, além de ser fortemente apoiada pelas potências imperialistas, o esforço para sua derrota deve combinar uma série de fatores.

    A começar pela mobilização da classe trabalhadora, com atos e manifestações, mas também com boicotes e bloqueios de materiais militares, a estilo do boicote aos produtos de Israel através do movimento do BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções) e os embargos em portos e aeroportos ao comércio com o agressor genocida. Mas também é necessário que a solidariedade à Resistência Palestina, além de política, seja militar, com o envio de armas pelos países que reconhecem que há um genocídio.

    Os Estados Árabes e da região devem romper com o Acordo de Abraham e declarar sua ruptura com Israel, a começar pelo Irã e Arábia Saudita. Mas não basta só romper relações políticas e econômicas. Além disso, os países da região devem regionalizar o conflito militar atacando o Estado sionista.

    A causa palestina exige uma “nova Intifada regional”, com o apoio dos palestinos que vivem na Jordânia. O Egito e outros países vizinhos podem prestar apoio militar direto aos palestinos perseguidos e com suas vidas ameaçadas na Cisjordânia e em Gaza.  O Hezbollah deve ter uma postura ofensiva contra Israel, partindo do conflito no sul do Líbano e no norte de Israel em solidariedade aos palestinos de Gaza e Cisjordânia. Além disso, os países da região devem se colocar claramente ao lado dos palestinos, colocando a agressão sionista como um conflito militar contra todas as nações árabes e muçulmanas da região e isolando o Estado sionista.

    Acreditar em uma paz sem a derrota militar de Israel é uma utopia reacionária. Não há possibilidade de paz no SWANA ou a existência de uma Palestina Livre e Democrática sem a destruição do Estado de Israel.


    Notas

    1. https://outraspalavras.net/geopoliticaeguerra/o-colapso-do-sionismo-e-israel/ ↩︎
    2. Nota de Naftali Bennett. ↩︎
    3. Para que se veja a expressão dessa atitude colonialista, utiliza-se as regulamentações do período colonial britânico sobre a Palestina entre 1918 e 1947 nos casos que envolvem palestinos dos territórios ocupados. ↩︎
    4. Guerra em Gaza: Sem munições e energia, generais israelenses querem cessar-fogo no enclave palestino (globo.com) ↩︎
    5. Resistência palestina enfrenta nova invasão de al-Shujaiya | Al Mayadeen Inglês ↩︎
    6. Idem ↩︎
    7. A Casa Branca informou ao Congresso que planeja enviar mais de US$ 1 bilhão em novas armas para Israel. ↩︎

    Publicado em julho de 2024 em www.litci.org/pt