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    Palestina: Genocídio e guerra de libertação

    Quando esse artigo estava sendo escrito (novembro de 2024), completavam-se 420 dias do genocídio promovido pelo Estado nazista de Israel contra a população de Gaza resultando em 44 mil mortos e 104 mil feridos. A estes crimes podemos acrescentar 800 mortos na Cisjordânia, 3.600 no Líbano; 11.700 palestinos presos por Israel na Cisjordânia e muitos milhares mais em Gaza (não existe uma contagem conhecida).

    Por: José Welmowicki e Bernardo Cerdeira

    O genocídio atual (o genocídio histórico contra os palestinos já dura mais de 70 anos) é fruto de uma guerra que começou com o ataque do Hamas a Israel em 7 de Outubro de 2023, mas que Israel aproveitou para desencadear o massacre da população civil em Gaza e uma guerra regional atacando em 7 frentes, algumas com mais intensidade e confrontos diários (Gaza, Líbano e Cisjordânia) outras com bombardeios mais esporádicos de parte a parte (Iêmen, Iraque e Irã) e ataques à Síria por parte de Israel.

    Em artigos anteriores, a LIT havia assinalado alguns elementos centrais da situação da guerra em curso:

    Primeiro que havia “…um relativo fortalecimento de Netanyahu e Israel imediatamente após a ofensiva no Líbano, o assassinato de Nasrallah e a maior parte da liderança do Hezbollah e de Sinwar, o principal líder do Hamás”.

    Ao mesmo tempo, prevenia que: «(…) esse fortalecimento é relativo, porque a resistência palestina e do Hezbollah não foi derrotada. Embora as vitórias israelenses tenham sido o produto de sua superioridade militar, particularmente no ar e no campo da inteligência, Israel também está sofrendo perdas (mais do que afirma)».

    «Além disso, Israel não conseguiu estabilizar sua ocupação terrestre em Gaza e no sul do Líbano. A história já mostrou que as guerras de libertação nacional envolvendo milhões de pessoas podem derrotar as ocupações terrestres até mesmo pelos exércitos mais fortes, como no caso do Vietnã, Iraque, Afeganistão ou mesmo a derrota de Israel pelo Hezbollah no Líbano em 2000 e 2006.«

    Por outro lado, alertava que: “(…) as vitórias israelenses exigem uma política de contrarrevolução permanente, de expansão da Nakba no plano da “Grande Israel”. Externamente, Israel continua a perder a batalha pelos corações e mentes das classes trabalhadoras e da juventude, com uma crescente rejeição de Israel entre uma parte significativa das massas do mundo e tensões entre as massas árabes contra a capitulação dos governos da região ao genocídio sionista”.

    Apenas 15 dias depois desses acontecimentos, confirmou-se o acerto da caracterização de que o fortalecimento do governo de Netanyahu era relativo e que as vitórias de Israel com o assassinato da maior parte da liderança do Hezbollah e de Sinwar do Hamas, embora muito importantes, eram táticas e não superavam as agudas contradições de Israel. Na verdade, a realidade mostrou que essas contradições são mais profundas.

    Recuperação do Hezbollah e guerra regional

    Como em toda guerra, é preciso analisar, em primeiro lugar, a situação no campo de batalha. O ataque de Israel ao Líbano e a tentativa de invadir e ocupar o Sul deste país, marcaram um novo patamar para a guerra, que já pode ser caracterizada como uma guerra regional. Apesar do Hezbollah ter sofrido um duro golpe com o assassinato de seu secretário-geral e da maior parte da sua liderança, os dias seguintes mostraram que isso não destruiu suas capacidades militares.

    Ao contrário, o Hezbollah intensificou sua ação militar nos dois terrenos: bombardeios no norte e no centro de Israel e o confronto terrestre com as divisões de Israel que tentaram ocupar o sul do Líbano, mostrando uma alta capacidade de recuperação.

    Na guerra aérea, os drones e mísseis estão cumprindo um papel fundamental. O Canal 12 da TV israelense destacou que, desde o início de novembro de 2024, foi lançado um número recorde de drones em direção a Israel, em meio a uma guerra em várias frentes, observando que “nas últimas semanas, os lançamentos de drones tornaram-se rotina”.

    O canal relatou que, nos primeiros 13 dias deste mês, houve 40 ataques de drones, uma média de 3,3 ataques por dia, com vários drones em cada ataque totalizando “1.300 drones lançados de todas as frentes” em direção a Israel desde o final de outubro de 2024. O canal ainda observou que 61% dos drones lançados em direção a Israel em novembro tiveram origem no Líbano, com um grande número também vindo do Iêmen e do Iraque.

    O mesmo canal relatou que, desde o início da guerra, mais de 200 drones penetraram com sucesso nas defesas aéreas e atingiram alvos, confirmando que esses drones causaram grandes perdas e danos nos últimos meses. Em outubro, por exemplo, um drone do Hezbollah atingiu o campo de treinamento da Brigada Golani em Binyamina, cidade ao norte de Telaviv, matando 4 soldados e ferindo 61 integrantes da tropa.

    No dia 14/11, o Hezbollah anunciou que, pela primeira vez, lançaram um enxame de drones unidirecionais contra a base de Kirya, na cidade de Tel Aviv, que abriga a sede do Ministério da Segurança de Israel, o Estado-Maior, a Sala de Gerenciamento de Guerra e a autoridade de monitoramento e controle de guerra da Força Aérea.

    Em 16/11 o Hezbollah atacou Haifa, a terceira maior cidade de Israel, com mísseis e drones atingindo várias bases militares, entre as quais o quartel-general do comando naval Shayetet 13 em Atlit, ao sul de Haifa, a Base Naval Stella Maris, as Bases Técnica e Naval de Haifa, a Base Tirat Carmel e, pela primeira vez, a Base de Combustível Nesher. 

    A situação da frente de guerra libanesa mudou. Israel tentou ocupar o Sul do Líbano para criar uma zona de exclusão que impedisse o Hezbollah de lançar mísseis e drones contra objetivos militares e cidades do norte e centro de Israel, que provocaram o deslocamento de 100 mil refugiados internos.

    Para isso enviou 50 mil soldados e suas melhores divisões, entre elas a Brigada Golani, para tentar invadir e ocupar o Sul do Líbano. A tentativa de invasão foi confrontada por uma forte resistência do Hezbollah, gerando combates diretos. Israel foi repelido com fortes perdas e não conseguiu ocupar, limitando-se a incursões sobre alguns vilarejos. A partir daí, recuaram para Israel e até a data em que esse artigo foi escrito não conseguiram mais ocupar e somente bombardear o Líbano.

    Guerra no solo: mortos e feridos no exército de Israel

    Embora frequentemente o comando das Forças armadas de Israel oculte números de baixas como parte de uma política sistemática sob o pretexto de “censura militar”, o exército israelense reconhece a morte de 793 soldados desde o início da guerra.

    Os dados também revelam que 192 oficiais israelenses foram mortos, indicando que um em cada quatro oficiais mortos era um comandante. Entre os mortos estão 67 comandantes de pelotão, 63 comandantes de companhia, 20 vice-comandantes de companhia, 7 vice-comandantes de batalhão, 5 comandantes de batalhão e 4 comandantes de brigada. Do total de fatalidades, 48% eram recrutas, 18% serviram em “serviço permanente” e 34% eram reservistas.

    Em 14/11, o Canal 14 informou que, em 48 horas, 11 oficiais e soldados israelenses foram mortos e mais de 10 ficaram feridos em batalhas em Gaza e no Líbano. A tendência a um aumento de baixas com a nova frente do Sul do Líbano é demonstrada pela decisão das Forças Armadas de Israel de abrir 600 novas sepulturas no cemitério militar.

    Pelos dados fornecidos pela imprensa israelense e por algumas midias árabes, como o Al Mayadeen e o Al Jazeera, as baixas na frente do sul do Líbano já passaram de 98 mortos e mil feridos somente nas primeiras 4 semanas da tentativa de invasão terrestre das forças militares sionistas, atingindo fortemente seu dispositivo militar.

    Tão ou mais importante que o número de baixas fatais é o número de feridos das Forças Armadas de Israel nesse ano de guerra, porque afetam a sua capacidade operacional e o moral da tropa. O Ministério da Saúde de Israel anunciou, em 14 de novembro, que o número total de internações hospitalares desde 10 de outubro de 2023 chegou a 22.047.

    Desse total, o Departamento de Reabilitação do Ministério da Segurança de Israel revelou recentemente que recebeu para reabilitação pelo menos 12.000 soldados desde o início da guerra em outubro de 2023, incluindo aqueles diagnosticados e sofrendo de Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT).

    Aproximadamente 43% dos 12.000 soldados sofrem de TEPT, enquanto 14% sofreram ferimentos moderados a graves, incluindo 23 casos de traumatismo craniano grave, 60 casos de amputação e 12 que perderam permanentemente a visão. 

    Apenas durante a semana de 7 a 14 de novembro, o ministério registrou 321 feridos. Entre estes, 21 casos foram registrados no norte de Israel (em 24 horas), e 202 feridos foram registrados desde essa última atualização.

    As internações atingem pouco mais de 5% do IOF composto por aproximadamente 450 mil efetivos – 150 mil efetivos permanentes e 300 mil reservistas, ou seja, 66% dos soldados da ocupação são reservistas sendo que dezenas de milhares são de função de apoio, não de combate.

    Entre mortos e feridos durante esse ano de guerra, a Força de Defesa de Israel perdeu quase duas divisões, enfrentando uma grave escassez de soldados. Segundo o alto comando, o exército necessita urgentemente de 7.000 recrutas

    Há um nítido desgaste e descontentamento entre as fileiras do exército motivados pela duração da guerra (1 ano e 1 mês), a mais longa da existência de Israel; pelas falhas no dispositivo militar israelense e pela extensão dos combates no solo em 3 frentes (Gaza, Líbano e Cisjordânia). Essa realidade obriga os reservistas a se revezarem continuamente para cobrir as lacunas nas distintas frentes. Começou a haver um movimento de reservistas para não retornar ao front (em Israel todos são reservistas até os 50 anos). Tudo isso pressiona fortemente o próprio comando militar para que faça uma pausa na guerra.

    Avi Ashkenazi, correspondente militar do jornal israelense Maariv, destacou uma crise crescente no exército israelense que pode minar os esforços para pressionar o Hezbollah. Ele enfatizou que a escassez de combatentes da reserva enfraqueceria a capacidade do exército israelense de aplicar pressão militar sobre o Hezbollah, potencialmente dificultando quaisquer esforços para resolver a guerra.

    Ashkenazi citou uma conversa com soldados da reserva na Brigada Golani, que falaram sobre as “dificuldades econômicas e familiares” que enfrentaram após mais de um ano de combate, com alguns já tendo servido mais de 250 dias.

    Os soldados expressaram frustração com a forma como os líderes israelenses os tratam:

    Estamos enfrentando ruína financeira, os negócios estão à beira do colapso e os soldados estão sobrecarregados com dificuldades pessoais e profissionais. Nós nos alistamos por um senso de dever, mas parece que o governo demonstra pouca consideração por nossos sacrifícios ou bem-estar”.

    Por outro lado, o jornal israelense Yedioth Ahronoth relatou que os militares estão preocupados com um declínio de 15% a 25% na participação no serviço de reserva.

    A essa situação soma-se o problema dos Haredim, judeus ortodoxos dispensados por lei de servir o Exército e de trabalhar, para dedicar-se ao estudo da Torá, recebendo subvenções permanentes do Estado para isso. Todos os anos, muitos também viajam para Uman, na Ucrânia, para celebrar o Ano Novo Judaico.

    A comunidade Haredim tem um grande peso em Israel, constituindo aproximadamente 13% da população de Israel. Em uma situação grave como esta, uma parcela cada vez maior dos israelenses indigna-se contra esses privilégios dos religiosos. Em junho de 2023, a Suprema Corte de Israel decidiu que os judeus ultraortodoxos devem ser submetidos ao recrutamento como outros cidadãos israelenses, intensificando as tensões.

    Após essa decisão, o regime começou a emitir ordens de recrutamento para homens Haredim com idades entre 18 e 26 anos. Relatórios iniciais indicaram resistência significativa, com muitos indivíduos não respondendo aos comunicados de notificações. Na sexta-feira, o Ministério da Segurança de Israel anunciou planos para o alistamento gradual de 7.000 judeus ultraortodoxos nas forças armadas.

    O problema para o governo é que os partidos que representam os Haredim são fundamentais para sustentar a coalizão governamental. Por isso, Netanyahu está articulando uma lei que permita manter essa isenção.

    Yair Lapid, o líder da oposição israelense, pediu à liderança e às instituições do regime que neguem financiamento público, passaportes e privilégios de viagem aos haredim que se recusem a servir nas forças armadas.

    Em declarações à rádio do Exército de Israel, Lapid exigiu: “O recrutamento dos Haredins é uma questão de valores, e eles devem se alistar. (…) Se não o fizerem, não devem receber verbas, não devem obter passaportes e não devem ser autorizados a viajar para Uman (Ucrânia)”. Mas até agora os haredim têm recusado a se alistar.

    Genocídio e guerra de resistência

    Não há dúvida de que o genocídio perpetrado por Israel em Gaza, a resistência palestina liderada pelo Hamas e a resistência do Hezbollah, estão no centro da luta de classes mundial e tem atraído um movimento internacional de repúdio a Israel e apoio aos palestinos.

    No entanto, entre os que denunciam o genocídio praticado por Israel, existem muitos setores pacifistas, inclusive setores da esquerda, que opinam que o atual conflito que se desenvolve na Palestina é essencialmente um genocídio da população palestina e não uma guerra, porque somente um lado (o de Israel) ataca e a desproporção de forças é brutal.

    Sem dúvida, o genocídio praticado por Israel é um fato. O objetivo de Israel é aterrorizar a população civil, destruir o Hamas e o Hezbollah, avançar na limpeza étnica para se apropriar dos territórios de Gaza e da Cisjordânia e criar uma zona tampão no Sul do Líbano. E claro, a desproporção militar de forças é enorme. Isso também é um fato.

    Mas só dizer que há um genocídio é unilateral. Também há uma forte guerra de resistência, não só do Hamas, mas de toda a Resistência palestina unificada: Jihad islâmica, Al Fatah, FPLP, FDPLP, Movimento Mujahideen Palestino e vários outros grupos menores. Quais são os elementos que demonstram que há um enfrentamento militar?

    Há enfrentamentos diários, documentados em vídeos e divulgados nas redes sociais, entre as forças da Resistência e as tropas israelenses. É uma guerra de guerrilhas onde a Resistência sai dos túneis, arma emboscadas para as tropas de Israel e retorna aos túneis. Só nos primeiros quinze dias de novembro, a Resistência matou 24 soldados israelenses.

    Essa resistência militar é um elemento decisivo para que Israel não tenha conseguido derrotar, e muito menos erradicar, o Hamas e a Resistência depois de mais de um ano de uma ação militar brutal em Gaza, bombardeios constantes, destruição de 70% das residências, invasão, cerco e pressão pela fome, falta de eletricidade, água, esgotamento sanitário, etc. O simples fato de não ter conseguido eliminar a Resistência depois de mais de um ano de guerra é uma derrota para Israel

    Por outro lado, se fosse certo o que Israel apregoa, que o Hamas e a Resistência já perderam 80% ou 90% dos seus efetivos e não podem opor resistência, por que o Hamas sente-se com forças para recusar o cessar-fogo nas condições de Israel, que pretende impor a continuidade da ocupação militar? Evidentemente porque pode sustentar a guerra de guerrilhas por mais um tempo considerável.

    Se fosse certo que quase não há resistência armada, por que Israel não consegue acabar de vez com a guerra?  Há uma combinação de aspectos políticos internacionais e nacionais que abordaremos mais adiante e que impediram, até agora, o triunfo de Israel, mas, do ponto de vista militar, a resistência palestina é um elemento decisivo.

    O Hamas e a Resistência palestina encontram-se em uma posição político-militar defensiva, o que lhes permite manter a luta. Não só os combatentes se protegem nos túneis, mas defendem sua terra e seu povo de um agressor genocida e estão indissociavelmente mesclados com a população de onde recebem apoio e a adesão de novos contingentes de combatentes. Isso é típico das guerras de libertação.

    Uma vitória militar de Israel exigiria que o exército israelense invadisse e ocupasse definitivamente Gaza e simultaneamente destruísse os 700 km de túneis para caçar e eliminar os soldados da Resistência. O problema é que, além do resultado dessa ação implicar em um alto custo militar, certamente provocaria a morte dos aproximadamente 100 reféns em poder do Hamas e mais dezenas ou até centenas de milhares de baixas civis palestinas, o que exacerbaria a indignação da opinião pública internacional e a preocupação crescente de parte da opinião pública interna de Israel com o resgate dos reféns.

    A esse elemento agrega-se o problema do baixíssimo moral de uma tropa de ocupação que só está acostumada a reprimir covarde e cruelmente manifestantes desarmados, crianças e adolescentes, protegidos por intensos bombardeios. Entrar em um túnel para enfrentar combatentes altamente motivados, dispostos a morrer como mártires porque não têm outra opção é algo muito diferente e exigiria um moral que o exército israelense, que já se encontra esgotado depois de um ano de guerra, está longe de ter.

    Outro problema crescente para Netanyahu é a mobilização das famílias dos reféns, furiosas porque ele não aceita nenhuma proposta de cessar-fogo e trocas dos reféns pelos prisioneiros palestinos nos cárceres de Israel.

    Além disso, existe uma situação de guerra também na Cisjordânia. Em resposta às operações militares do exército israelense, cresce a resistência armada, principalmente no norte da região em cidades como Jenin, Tulkarm, Nablus, Tubas e nos campos de refugiados ao redor, mas que também está se estendendo a cidades do centro e do sul como Hebron, Ramallah e Belém.  É uma resistência diferente e superior às Intifadas, porque dessa vez há uma organização de vários grupos de combatentes armados com armas leves e dispositivos explosivos improvisados.

    Todas essas dificuldades de Israel nessa, repetimos, mais longa guerra de sua história, não demoveram o governo Netanyahu de seu plano sinistro: promover uma limpeza étnica no norte de Gaza para permitir uma ocupação militar permanente do Exército; construir uma faixa militarizada com fortificações no corredor de Netzarim que cruza a Faixa de Gaza de leste a oeste dividindo Gaza ao meio e ocupar também o corredor Filadélfia na fronteira do Egito. Tudo isso está em curso, mas sua implementação depende do desfecho da guerra e da luta de classes internacional e nacional.

    A mobilização internacional e a crise de Israel

    Na primeira parte desse artigo nos preocupamos em demonstrar que a ação militar de Israel está longe de ser um passeio que não encontra resistência, ao contrário. Mas agora temos que ver o que está passando em Israel.

    Segundo Carl von Clausewitz, o general prussiano que foi um dos mais importantes teóricos militares, “a guerra é a continuação da política por outros meios”. Concordando com essa frase, não podemos isolar o genocídio em Gaza e a resistência armada dos palestinos do contexto internacional e da situação interna em Israel.

    O massacre praticado por Israel desencadeou mobilizações ao redor de todo o mundo contra o genocídio, em defesa dos palestinos e por um cessar-fogo. Os protestos foram muito além dos países muçulmanos e ganharam importância principalmente nos Estados Unidos e Europa. Israel nunca esteve tão desprestigiado internacionalmente em toda sua história.

    Quando Israel reage ao ataque do Hamas e começa a guerra, o governo Netanyahu estipulou 3 objetivos: trazer de volta os reféns; acabar com as “capacidades militares e de governo” do Hamas e “garantir que Gaza não represente uma ameaça local a Israel” no futuro, ou seja, ocupando ou controlando o território. Mais recentemente, o governo passou a falar em um quarto objetivo que seria garantir o retorno seguro dos habitantes do norte de Israel que tiveram que abandonar a região por causa dos ataques do Hezbollah.

    É importante ressaltar que, ao princípio, o ataque do Hamas provocou uma reação violenta da população e que a maioria absoluta apoiou a guerra, a destruição do Hamas e da resistência palestina e inclusive o genocídio. Os partidos políticos, a burguesia e as forças armadas uniram-se em torno de um governo de unidade nacional com Netanyahu à frente.

    Netanyahu falava em acabar com o Hamas em dias ou, no máximo semanas. É evidente que, se os objetivos de guerra estivessem sendo alcançados, ou seja, se houvesse apenas o genocídio, um passeio militar e houvesse a libertação progressiva de vários reféns, produto da ofensiva militar, a população, os partidos políticos e a burguesia continuariam unidos em torno do governo.

    Mas está acontecendo exatamente o contrário: há uma profunda crise em Israel provocada pelo impasse depois de um ano de guerra e o governo Netanyahu continua questionado por todos os lados. Os assassinatos de Sinwar, de Nasrallah e do alto comando do Hesbollah fortaleceram temporariamente o governo, mas a realidade é que nem um dos objetivos traçados por Netanyahu foi alcançado.

    Os reféns não só não foram resgatados como a morte de 6 reféns provocou mobilizações massivas de centenas de milhares de manifestantes, inclusive uma greve geral, contra o governo de Netanyahu e a favor de um acordo de cessar-fogo que permita a sua libertação. Fato inédito em Israel no meio de uma guerra.

    O Hamas está longe de ser destruído e a ofensiva israelense no sul do Líbano, tentando ocupar uma zona tampão que impeça o lançamento de mísseis e drones pelo Hezbollah, depois de mais de um mês de tentativas, não conseguiu qualquer ganho territorial de importância e o bombardeio a Israel aumentou. Chegou a atingir Telavive e Haifa sem que as defesas de Israel conseguissem evitá-lo.

    Os gastos militares de uma guerra prolongada e que não alcança nenhum dos seus objetivos, a inflação e a crise econômica, somados à política do governo Netanyahu, abriram uma crise econômica e política. Há uma divisão na burguesia israelense (entre os setores burgueses e partidos dos centros econômicos do país e os partidos das colônias da Cisjordânia) e atritos entre o governo e as Forças Armadas, Mossad e Shin Bet.

    Um dos temas centrais de divergência é o acordo de cessar-fogo com o Hamas e uma troca de reféns por prisioneiros ou a continuidade da guerra. Netanyahu quer continuar a guerra e é apoiado pelos partidos dos colonos que pressionam para estender a ofensiva militar à Cisjordânia. Alguns dos seus ministros, como Itamar Ben Gvir, ministro da Segurança Interna, falam em anexar a região, que ele chama de Judeia e Samaria.

    No entanto, há um choque crescente entre o governo Netanyahu e a cúpula militar e de segurança. A demissão do ministro Gallant e as notícias saídas na imprensa sobre uma possível demissão dos chefes do Shin Beth e do Estado Maior as Forças Armadas (IDF) aprofundaram a crise em plena guerra.

    Recentemente, o Fórum Empresarial Israelense, que reúne as 200 empresas líderes do país, pronunciou-se contra a demissão do ministro da Segurança (Ministro da Defesa), Yoav Gallant pouco antes que ela acontecesse: “O Primeiro-Ministro sabe melhor do que ninguém que todos os indicadores econômicos mostram que Israel está caminhando para um abismo econômico e afundando em uma recessão profunda. A última coisa de que Israel precisa agora é da demissão de um ministro [de segurança], o que desestabilizaria o [país].”

    O imperialismo pressiona para um acordo de cessar-fogo e continua acenando com alguma forma de solução de “dois estados”, mas o governo, os partidos dos colonos e inclusive a ampla maioria dos setores da oposição estão radicalmente contra um estado palestino, mesmo que sem nenhuma autonomia. A única política de todos esses setores é manter mais de 5 milhões de palestinos sob uma ditadura e um regime de confinamento em enormes guetos. Isso só é possível com um regime de guerra permanente que, depois de um ano, mostra claramente seu esgotamento. O custo econômico da guerra já atinge US$ 68 bilhões e a continuidade da ação militar de Israel depende do fornecimento militar dos EUA e dos países europeu.

    À medida que o tempo passa e a guerra continua, a situação vai ficando mais difícil de sustentar por Israel, cuja economia e a atividade produtiva tiveram uma redução significativa, gerando, juntamente com a insegurança crescente devido à guerra, uma onda de migrações de profissionais de nível superior. O historiador Ilan Pappé afirmou que o êxodo é de aproximadamente 600 mil israelenses, inclusive de médicos judeus das cidades mais prósperas, como Tel Aviv, para a Europa Ocidental e EUA.

    Por outro lado, Israel realizou uma nova agressão militar ao Irã, com um ataque aéreo a suas bases militares. O ataque foi cuidadosamente planejado com o imperialismo norte-americano, que reforçou a defesa antiaérea israelense e definiu os objetivos limitados dos ataques, mas agora já estamos em uma guerra regional. Esta regionalização da guerra é uma política de Netanyahu, que tem a ver com o projeto da Grande Israel e com o papel de polícia do imperialismo norte-americano, embora haja diferenças táticas com o governo Biden sobre até onde a guerra deve ir.

    A conclusão desse quadro é que há uma polarização: Israel alimenta a guerra e a agressão buscando redefinir o mapa do Oriente Médio, mas com isso aumenta brutalmente as tensões e o país vive a maior crise da sua história. Não só sua imagem está questionada diante do mundo, mas a própria existência do Estado de Israel, um projeto colonialista e racista. E isso questiona e põe em risco o controle dos imperialismos estadunidense e europeu na região. A guerra na Palestina é o centro da luta de classes mundial.

    O ataque do Hamas em 7 de outubro foi um acerto e um marco na luta pela libertação da Palestina

    Se houvesse somente um genocídio e não existisse uma guerra de libertação, teríamos que chegar à conclusão que o ataque do Hamas em 7 de outubro foi uma provocação contra um inimigo poderosíssimo. Essa provocação seria corresponsável pela brutal retaliação de Israel e pelo genocídio, como também potencialmente por uma derrota histórica da causa palestina. Isso é verdade? Pensamos que a conclusão é oposta, mesmo que com todas as suas contradições.

    Antes de mais nada, é preciso ter claro que o Hamas é uma organização nacionalista burguesa com todas as limitações do seu caráter de classe. No entanto, no momento atual é a organização que as massas palestinas e principalmente sua vanguarda se apropriam para organizar sua luta pela libertação nacional.

    Do ponto de vista da luta nacional pela libertação da Palestina, o ataque do Hamas foi um acerto político e militar. Conseguiu capturar 250 reféns. Colocou a luta do povo palestino de novo na ordem do dia. Unificou as forças da Resistência. Mostrou o verdadeiro caráter fascista e genocida do Estado de Israel. Mobilizou massas do mundo inteiro em favor dos palestinos. Obrigou Israel a travar a mais longa e custosa guerra da sua história, colocou em crise o Estado sionista e questionou a sua viabilidade.

    É possível a derrota militar/política de Israel

    A resolução de uma guerra não se dá somente pelos números de baixas e a destruição do adversário. Se fosse assim, o resultado já estaria definido a favor de Israel ou do imperialismo antes da guerra começar. No caso de guerras de libertação anticoloniais, as vitórias e derrotas se medem pela capacidade do invasor ou potência de impor uma ordem estável aos colonizados e que eles deixem de lutar para que o exército colonial não tenha que manter uma guerra permanente com perdas humanas que ameacem sua coesão interna.

    No caso do Vietnam, mais de um milhão de vietnamitas perderam a vida e os EUA “apenas” cerca de 50 mil soldados além de dezenas de milhares de lesionados e portadores de transtornos mentais. No entanto, quem saiu derrotado foram os EUA. O papel dos grandes movimentos contra a guerra no interior dos EUA foi decisivo para essa derrota.

    No caso atual, um dos maiores problemas de Israel é o movimento mundial contra o extermínio dos palestinos. Em especial a perda de apoio a Israel da juventude da maior colônia judaica, a norte-americana. As organizações Jewish Voices for Peace (Vozes Judaicas pela Paz), e If Not Now (Se não agora…) agrupam mais de 700 mil seguidores em suas páginas e dezenas de milhares de ativistas.

    Israel nunca esteve tão desprestigiado internacionalmente em toda sua história. O BDS (nome da campanha internacional de boicote a investimentos e por sanções ao estado sionista, nos moldes da que foi realizada em relação ao apartheid sul-africano nas décadas de 80 e 90 do século passado) está tendo uma repercussão cada vez maior. Empresas importantes, como a INTEL, suspenderam investimentos econômicos em Israel. 4.500 escritores como Arundhati Roy, Sally Rooney e outros decidiram fazer um boicote à edição de suas obras por editoras israelenses que apoiem o genocídio.

    Na guerra atual, assim como na guerra do Vietnam, a superioridade de armamentos de Israel é avassaladora no que diz respeito à força aérea, naval, mísseis e carros blindados. E o apoio do imperialismo estadunidense permite um suprimento de armamentos quase inesgotável. Por isso, a derrota de Israel é muito difícil, mas como a derrota dos Estados Unidos, o chefe do imperialismo no mundo, demonstrou no Vietnam, isso não é impossível.

    Devido a essa luta desigual, não podemos descartar que o Hezbollah negocie um acordo de cessar-fogo por separado, abandonando a resistência palestina. No momento em que escrevemos esse artigo, o imperialismo está pressionando a direção do Hezbollah nesse sentido e, aparentemente, o governo de Israel aceitaria negociar uma proposta desse tipo. Apesar da combatividade demonstrada até agora pelo Hezbollah, não é possível confiar em uma direção nacional burguesa que tem interesses próprios como classe proprietária no Líbano e na região.

    O mesmo se aplica ao Irâ. Apesar do Irã ter evitado um confronto generalizado com Israel, sem dúvida por temor à reação do imperialismo estadunidense, é inegável que seu governo tem fornecido todo tipo de armamento ao Hezbollah, aos Huthis e anteriormente ao Hamas. Mas, não é possível ignorar que a burguesia iraniana que sustenta o regime dos aiatolás tem objetivos nacionais próprios como potência regional e pode a qualquer momento subordinar a causa palestina a seus próprios interesses, negociando ou pressionando para um acordo que obrigue os palestinos a aceitar concessões maiores ao imperialismo, sob pena de que fiquem mais isolados.

    No entanto, a proposta que está na mesa de negociação, de um cessar-fogo de 60 dias entre Israel e o Hezbollah, com o estabelecimento de uma força multinacional no Sul do Líbano, está longe de resolver a situação. Todas as contradições levantadas acima continuarão colocadas enquanto a questão palestina estiver no centro do problema. E a crise de Israel irá seguir.

    A situação não está definida, mas reafirmamos que a derrota do Estado sionista é possível e que o problema é político-militar e depende não só da sua superioridade militar, mas da resistência palestina e libanesa, da situação interna em Israel e da luta de classes internacional.

    Revolução socialista e guerra nacional de libertação

    Nós, como socialistas revolucionários, temos diferenças fundamentais com o Hamas. Como dissemos, é um partido nacionalista, islâmico, que defende a concepção de um estado capitalista. Nós, ao contrário, defendemos que a única solução definitiva para a humanidade, e inclusive para o problema da libertação nacional do jugo do imperialismo e da autodeterminação dos povos é o socialismo internacional.

     Isso não significa que ignoramos o problema da libertação nacional da Palestina.  Ao contrário. A luta por uma Palestina livre, laica, democrática e não-racista do rio ao mar é uma demanda democrática cujo significado vai além da aspiração dos 11 milhões de palestinos a retomar o território do qual foram expulsos e constituir uma nação soberana. Também se transformou no símbolo da luta dos povos árabes contra a opressão do imperialismo estadunidense e europeu cujo agente armado é o Estado de Israel.

    A luta pela libertação da Palestina só pode ser vitoriosa se houver clareza que, para conquistar esse objetivo, é preciso destruir o Estado colonialista de Israel, que se sustenta em bases racistas e de ameaças e guerras permanentes sobre os povos do Oriente Médio. Só o fim do Estado de Israel pode dar uma saída permanente para o povo palestino e para os povos da região.

    O que ameaça hoje a Resistência não é só Israel, mas, principalmente, a política de dois Estados à qual o Hamas aderiu recentemente, e que é promovida tanto pelas burguesias árabes pró-EUA e Israel (Arábia Saudita, Egito, Jordânia) quanto as que têm conflitos com Israel (Irã e o chamado Eixo de Resistência).

    Os Acordos de Oslo já mostraram que essa falsa solução não garante nem o território nem a soberania de um Estado palestino e, muito menos, o retorno dos refugiados. Só serviu para que o Estado de Israel e o imperialismo cooptassem uma parte das organizações palestinas, principalmente o Fatah, que controla a Autoridade Nacional Palestina (ANP).

    Por outro lado, a posição dos pacifistas e dos reformistas não só nega a efetividade e até a existência da luta de Resistência palestina e libanesa, mas, na prática, coloca-se contra a ação militar da resistência palestina e dos movimentos árabes.

    No entanto, a realidade, evidenciada pela história de mais de 100 anos do projeto imperialista e colonialista que culminou na ocupação sionista da Palestina, assim como pela longa luta da resistência palestina, mostrou que a luta pela libertação da Palestina só pode ser alcançada pela via militar e revolucionária.

    E hoje, o caminho que leva à libertação da Palestina e, no desenvolvimento da luta de classes revolucionária e a uma dinâmica de revolução permanente em direção à revolução socialista, passa pela resistência armada que confronta o Estado de Israel. Por isso, estamos incondicionalmente ao lado da resistência militar palestina e libanesa, independentemente das divergências e críticas que tenhamos às suas direções nacionalistas como o Hamas, Hezbollah e outras.

    Defendemos que essa resistência armada se estenda internacionalmente a outros países. As ações das organizações de outros países contra Israel são fundamentais para derrotar o estado de Israel. Um exemplo são as ações dos Huthis do Iêmen, com drones e mísseis que têm golpeado o comércio no Mar Vermelho, o que aumenta o isolamento econômico de Israel. Também houve ações de grupos presentes no Iraque e na Síria. Já houve drones que caíram em Eilat no extremo sul de Israel o que golpeia o moral do exército.

    Para isso é preciso denunciar e confrontar os governos árabes que colaboram com o imperialismo e Israel como a Arábia Saudita, a Jordânia, os Emirados, Marrocos e o Egito. Esses governos limitam-se a fazer protestos verbais contra o genocídio, mas mantêm relações comerciais com o estado genocida. A monarquia marroquina permitiu a passagem por seus portos de um navio carregado de armas e munições para Israel, sob protestos dos apoiadores da causa palestina no porto de Tânger. É a mesma posição do governo jordaniano, mas contra o sentimento do seu povo que apoia massivamente a resistência palestina. Na recente eleição para o parlamento, a Irmandade Muçulmana que defendia a ruptura dos acordos com Israel, chegou a quase 30% dos votos.

    É preciso chamar as massas desses países a exigir de seus governos a ruptura imediata de relações diplomáticas, econômicas e militares com Israel, apoio militar à resistência palestina e que permitam que os apoiadores da luta contra o sionismo possam se somar à resistência palestina e libanesa.

    Ao mesmo tempo em que é necessário essa unidade militar com a resistência palestina e libanesa, inclusive com suas direções nacionalistas, é fundamental que as novas camadas de combatentes da Resistência palestina e de outros países se atentem para a necessidade da classe trabalhadora se organizar de forma independente das direções nacionalistas e religiosas, buscando construir o seu próprio partido socialista e revolucionário que lute por transformar a guerra de libertação nacional por uma Palestina Livre do Rio ao Mar em uma Revolução Socialista em toda a região.

    Publicado em novembro de 2024 no site da LIT-QI <https://litci.org/pt/2024/11/27/palestina-genocidio-e-guerra-de-libertacao/?utm_source=copylink&utm_medium=browser>

  • As mentiras do sionismo preparam a “solução final” de Israel em Gaza.

    As mentiras do sionismo preparam a “solução final” de Israel em Gaza.

    O dia 7 de outubro ficará na história da luta pela libertação nacional na Palestina e no Oriente Médio. Foi o dia em que a resistência palestina conseguiu infligir uma derrota ao exército de ocupação e romper, por um período, o cerco ao qual os palestinos são submetidos diariamente por Israel há 16 anos. Uma incursão preparada e coordenada conseguiu romper a barreira que cerca Gaza em vários pontos – barreira essa que impede a saída de qualquer palestino.

    Por: José Welmowicki

    As câmeras e os dispositivos de vigilância não funcionaram porque os combatentes os inutilizaram. Até aquele dia, a fama acumulada por Israel em várias guerras contra seus vizinhos árabes e a guerra permanente contra os palestinos conferia-lhe um prestígio macabro, a ponto de sua tecnologia de vigilância, seus veículos blindados de repressão à população terem sido exportados para muitos países.

    Foi um fiasco para o exército israelense. Em geral, os especialistas da área apontam, de forma central, uma falha do aparato de inteligência, como o Mossad. Em nossa opinião, esse não foi o único fracasso. A reação dos soldados da brigada que vigia Gaza foi facilmente derrotada pelos militantes do Hamas. Segundo as informações divulgadas, muitos oficiais e até coronéis e generais foram encarcerados. A reação do restante do exército foi tardia e lenta. Dois fatores podem estar por trás dessa derrota: 1) toda ocupação colonial leva a um desgaste das tropas envolvidas e gera uma crescente incapacidade de combater – como ocorreu com as tropas francesas na Indochina e na Argélia, e com as norte-americanas no Vietnã, cuja atividade cotidiana resume-se a reprimir, de forma perversa e covarde, uma população desarmada; 2) quando os oprimidos se rebelam e se enfrentam a essas tropas, estas perdem a confiança em suas forças e se assustam com a reação dos rebeldes oprimidos. No caso dos soldados sionistas em Gaza, os vídeos gravados mostram exatamente esse tipo de reação das tropas da guarnição encarregada da repressão.

    Mas o que nos dizem – e o que aparece de forma avassaladora nos meios de comunicação – é que tudo se tratou de um ataque terrorista do Hamas contra a população civil de Israel. Não há outra causa senão a “ferocidade assassina” desta organização.

    E, como aconteceu na guerra do Iraque e em muitas outras no Oriente Médio, foram disseminadas uma série de notícias falsas. A falsa história da suposta decapitação de bebês foi divulgada pelo presidente dos EUA, Biden, que chegou a mentir dizendo ter visto essas fotos, quando se tratava apenas de uma invenção de um blogueiro ultradireitista israelense, sem qualquer comprovação. Isso foi desmentido, mas sem grande destaque. Vídeos divulgados como evidência de “ataques a civis” mostravam, na verdade, um ataque a uma base militar israelense na qual soldados surpreendidos tentaram se esconder de uma coluna do Hamas, que acabou invadindo-a e, posteriormente, aqueles mesmos soldados foram encontrados mortos. Em outras palavras, tratava-se de uma batalha militar. E as invasões de vilarejos e bairros nas cidades israelenses vizinhas a Gaza são apresentadas como ataques premeditados contra civis, quando, em uma guerra assimétrica como a travada entre o Estado de Israel e a Faixa de Gaza – cercada e sistematicamente bombardeada – os vilarejos e cidades próximas a Gaza fazem parte do dispositivo militar do ocupante, ou seja, de Israel, e, portanto, devem ser enfrentados quando este realiza uma incursão militar em resposta ao cerco, constituindo objetivos militares. Ao menos é assim que Israel tratou, durante décadas, tanto a própria Gaza quanto a Cisjordânia, que é fonte de toda violência. Contudo, esses mesmos meios de comunicação não dizem uma palavra de condenação quando colonos e o exército sionista invadem vilarejos, destroem as casas da população palestina e matam seus habitantes.

    O surpreendente é que, para os meios de comunicação, bem como para os governos e partidos dos EUA e da UE, os bombardeios massivos sobre Gaza – que matam um número impressionante de civis – são vistos apenas como “uma retaliação” por parte de Israel! Portanto, segundo esses narradores, estão justificados. Em outras palavras, seguem o mesmo roteiro do ministro da Defesa israelense, que classificou os habitantes de Gaza como “animais humanos”. O máximo que fazem alguns é sugerir “contenção” aos genocidas.

    Os meios de comunicação não mostram nada do sofrimento das crianças palestinas, nem antes nem depois dos ataques. Não dão importância a fatos como o dos nove funcionários da ONU em Gaza, que foram assassinados pelo exército israelense ao tentarem socorrer os feridos. Mas Israel declara que todos os seus alvos são militantes terroristas que “se escondem nas casas dos palestinos” e, portanto, qualquer alvo residencial ou mesmo instalações médicas e escolas em Gaza integram seus objetivos de guerra.

    Assistimos, em tempo real, através dos meios de comunicação mundiais e das redes sociais, a cenas idênticas à Nakba de 1948. O governo israelense, não satisfeito com o deslocamento forçado de mais de um milhão de pessoas em poucas horas, declara que devem sair do território imediatamente para não serem alcançados por seus bombardeios. Chegou até a ordenar o bombardeio de um comboio de palestinos que tentava sair do Norte para chegar ao Sul da Faixa. E o que dizem os meios? Faz parte da “contraofensiva” de Israel, que, em princípio, estaria justificada, não exibindo fotografias nem imagens das atrocidades e dos assassinatos de civis palestinos em Gaza.

    Há outra omissão vergonhosa: televisão e jornais estão inundados de declarações de entidades judaicas sionistas e vinculadas a Israel, todas defendendo os ataques do Estado racista de Israel. Afirmam até que um Estado que nasceu de uma limpeza étnica, que mantém uma ocupação por décadas e que trata os palestinos como cidadãos de segunda classe ou prisioneiros em suas próprias cidades, é a única democracia no Oriente Médio!

    Mas não dão espaço à voz dos movimentos judaicos que se opõem à linha genocida de Israel. Alguns deles se manifestam com firmeza, como o Jewish Voices for Peace (Vozes Judaicas pela Paz) dos Estados Unidos, que conta com mais de 440 mil membros e simpatizantes. Movimentos como esse já vinham fazendo campanha contra o apartheid israelense e o racismo colonial. E, neste momento, mantiveram sua postura frente ao processo em Gaza. A seguir, reproduzimos um trecho do comunicado do Jewish Voices for Peace (JVP) de 7/10/2023:

    “O governo israelense pode ter acabado de declarar guerra, mas sua guerra contra os palestinos começou há mais de 75 anos. O apartheid e a ocupação israelenses – e a cumplicidade dos Estados Unidos nessa opressão – são a fonte de toda essa violência. A realidade é montada conforme o relógio é acionado.

    «Durante o ano passado, o governo mais racista, fundamentalista e de extrema direita da história de Israel intensificou impiedosamente sua ocupação militar sobre os palestinos em nome da supremacia judaica, com expulsões violentas e demolições de casas, assassinatos em massa, ataques militares a campos de refugiados, cercos implacáveis e humilhações diárias. Nas últimas semanas, as forças israelenses atacaram repetidamente os lugares muçulmanos mais sagrados em Jerusalém. Durante 16 anos, o governo israelense sufocou os palestinos em Gaza sob um bloqueio militar draconiano – aéreo, marítimo e terrestre –, encarcerando e matando de fome dois milhões de pessoas e negando-lhes assistência médica. O governo israelense rotineiramente massacra palestinos em Gaza; crianças de dez anos que vivem em Gaza já estão traumatizadas por sete grandes campanhas de bombardeios em suas curtas vidas.

    Nos Estados Unidos, pesquisas recentes mostram que mais de 50% da juventude judaica do país não se sente identificada com Israel – dado que assusta os líderes sionistas locais e a Organização Sionista Mundial. Existem outros movimentos que reúnem esses setores com movimentos progressistas e comunidades de origem árabe ou muçulmana nos EUA, como demonstra a carta escrita pelo Comitê de Solidariedade com a Palestina de Graduados de Harvard, na qual os estudantes “responsabilizam integralmente o regime israelense por toda a violência em curso”, carta essa que foi assinada por 33 grupos estudantis. O fato de ter sido Harvard, a universidade de elite do país, surpreendeu sua cúpula. A reitoria posicionou-se, diferenciando-se da carta, assim como vários ex-alunos – hoje executivos de grandes empresas ou ministros no governo norte-americano – também se manifestaram contrários. Ainda na Universidade de Nova York (NYU), os estudantes manifestaram-se com uma declaração contra o genocídio de Israel.

    Os meios também não dão cobertura às protestos dos judeus ultrarreligiosos que vivem em Jerusalém, no bairro Mea Shearim, que são antissionistas e colocaram uma bandeira palestina em seu templo para demonstrar repúdio ao massacre. Por isso, foram duramente reprimidos, espancados pela polícia israelense, e seu templo foi invadido para retirar a bandeira palestina. 1

    Somente existe uma verdade e um ponto de vista válido para os meios e para o establishment imperialista: o do governo genocida de Netanyahu e seu defensor incondicional – o imperialismo norte-americano, através do governo de Biden.

    Qual é a situação dos palestinos na Cisjordânia?

    Na Cisjordânia existem três áreas: uma destinada aos palestinos e outras para colonos judeus, que atualmente somam 750 mil. Estes têm total liberdade para entrar e sair tanto na Cisjordânia quanto em Israel. Jerusalém Oriental, que segundo a própria partição de 1948 deveria pertencer ao Estado palestino que se formaria, foi anexada em 1967 à Jerusalém judaica sob controle sionista. Para os palestinos, circular de uma área para outra só é possível através de inúmeros checkpoints (postos de controle), onde frequentemente passam horas submetendo-se a revistas humilhantes pelas tropas israelenses. Os colonos exibem comportamentos abertamente racistas e agressivos em relação aos palestinos, e são protegidos pelo exército. O mesmo ocorre com os palestinos que vivem na cidade de Jerusalém.

    Um dos argumentos falaciosos defendidos por apoiadores de Israel nos meios de comunicação é que se trata de uma “guerra contra o Hamas”, e não contra todos os palestinos. Portanto, a questão estaria restrita a Gaza. Essa é outra mentira. A guerra contra os palestinos foca hoje em Gaza, mas, ao mesmo tempo, impõe à Cisjordânia um cerco semelhante e assassinatos de civis. Esse processo já vinha ocorrendo há muito tempo, mas agora se multiplicou de forma macabra desde o dia 7 de outubro. Segundo informações de agências de notícias, da Meia Lua Vermelha (Cruz Vermelha dos muçulmanos) e de organizações de direitos humanos, de 7 a 14 de outubro, 55 palestinos foram assassinados e 1.100 feridos na Cisjordânia por ataques de colonos sionistas, com a cumplicidade ou participação das Forças Armadas israelenses. Todos eram civis – famílias que se deslocavam de uma cidade para outra, trabalhadores ou pequenos comerciantes que tentavam abrir seus negócios. Até um cortejo fúnebre foi atacado a tiros, matando, no mínimo, quatro palestinos. Em nenhum desses ataques havia militantes do Hamas. Todos tinham em comum o fato de serem árabes palestinos. Essa é mais uma demonstração de que a política é de guerra e expulsão de todos os palestinos.

    O Estado racista de Israel nasceu em 1948 com a Nakba – a limpeza étnica que expulsou 750 mil árabes de suas terras. Mas, por não ter conseguido se livrar completamente dos palestinos, continuou suas ações durante esses 75 anos. A partir de 1967, com a ocupação de Gaza e da Cisjordânia, manteve seus habitantes submetidos a um regime militar, que os tratava como prisioneiros e se beneficiava de seu trabalho escravo, sem lhes conceder qualquer direito. Ao mesmo tempo, colonizava novas terras, expropriando os palestinos – seja em Jerusalém Oriental ou na Cisjordânia – com colonos judeus.

    Devido à resistência permanente, às duas Intifadas (1987–1992 e 2000) e à persistente resistência, sua estratégia mudou. Agora, diante da resistência armada, essa estratégia tornou-se explícita: a limpeza étnica de todo o território da Palestina. Para eles, ou os palestinos abandonam a Palestina ou morrem. Por isso, vê-se os colonos da Cisjordânia gritando: “Morte aos árabes” e agindo de acordo com suas palavras – ou seja, executando pogroms, tal como fizeram os antissemitas contra os judeus na Europa oriental, como em Huwara e Turmus Ayya, na Cisjordânia.

    Netanyahu apresentou um “novo mapa” da região na sessão da ONU realizada no passado mês de setembro. Nele, não existe mais a Palestina, nem mesmo territórios ocupados. Existe apenas Israel, que ocupa todo o território entre o Mar Mediterrâneo e o rio Jordão.

    Uma analogia com a resistência judaica contra os nazistas: o Levante do Gueto de Varsóvia

    Após a invasão nazista à Polônia em 1939, o ocupante alemão decidiu concentrar os judeus de todo o país em uma pequena região da capital, que passou a ser conhecida como Gueto de Varsóvia. 2 Os nazistas fizeram isso para controlá-los como se estivessem presos – havia muros e cercas ao redor do gueto, e somente aqueles que possuíam uma determinada carteira poderiam sair, com o intuito de utilizar seu trabalho de forma semelhante à escravidão. A comunidade judaica na Polônia era a maior dentre os países ocupados por Hitler.

    Essa política nazista para com os judeus poloneses concentrados em Varsóvia durou até que decidiram buscar a “solução final” em 1942: construir campos de concentração com câmaras de gás para exterminar todos os judeus. A partir daí, capturaram os que ainda sobreviveram no gueto e enviaram-nos para a morte. Dos primeiros 380 mil residentes no início do gueto, cerca de 300 mil foram enviados para a morte entre 1942 e 1943.

    Quando perceberam que esse seria o destino de todos, os judeus sobreviventes decidiram resistir armados, apesar de estarem em enorme inferioridade militar e logística. Formaram uma organização de resistência unida, a ZOB, e organizaram um levante em abril de 1943 que conseguiu enfrentar os soldados alemães por mais de 30 dias, causando baixas importantes às tropas nazistas. Eles sabiam que havia uma decisão iminente de levá-los e matá-los nas câmaras de gás dos campos de extermínio nazistas. Optaram, então, por resistir e morrer lutando. Os nazistas chamavam os combatentes judeus de “terroristas”.

    Como afirma Haidar Eid, professor da Universidade de Al Aqsa em Gaza, em seu artigo Gaza 2023: Nosso momento semelhante ao Levante do Gueto de Varsóvia 3, uma clareza sobre o destino que Israel impôs aos palestinos de Gaza – e também da Cisjordânia – levou-os a adotar o mesmo tipo de decisão: “Em Gaza e em Jenin, recusamo-nos a marchar para as câmaras da morte de Israel. Em Gaza e em Jenin – de fato, em toda a Palestina histórica – deixamos absolutamente claro que resistiremos ao regime dos colonos, ao regime colonial e de apartheid entre o rio Jordão e o Mar Mediterrâneo”. 4

    É nesse contexto que se deve compreender a luta armada desencadeada pelos residentes palestinos.

    Do lento genocídio ao extermínio

    O que está ocorrendo hoje, diante da resistência armada palestina e do fracasso da tentativa sionista de escravizar o povo palestino e obrigá-lo a viver para sempre em condições infra-humanas, é a decisão de Netanyahu de arrasar Gaza, transformando o genocídio lento dos últimos 30 anos em genocídio direto por meio de bombardeios contra todos os habitantes e cortando definitivamente o fornecimento de água e energia.

    O governo israelense fez um apelo cítrico a todos aqueles que queiram sobreviver para que abandonem a Faixa imediatamente, enquanto Israel bombardeia a passagem entre Gaza e o Egito, o único ponto de saída que permanece aberto. Como denunciaram os médicos da Cruz Vermelha, os funcionários da missão da ONU em Gaza, e a própria Organização Mundial da Saúde, vinculada à ONU, trata-se de uma ordem impossível de cumprir para uma população de mais de um milhão de pessoas, equivalendo a uma condenação à morte de doentes e feridos hospitalizados. Em outras palavras, sob o pretexto de “realizar retaliações” contra os ataques do Hamas, Israel condena à morte toda a população residente, justificando a destruição dos “terroristas”. De forma semelhante ao que Hitler fez contra os judeus a partir da “solução final” de 1942, que, diante da revolta, decidiu acabar com o Gueto de Varsóvia destruindo-o.

    Com o apoio de governos ocidentais, da esmagadora maioria dos meios de comunicação e da cumplicidade de governos que se declaram “amigos dos palestinos”, como Lula no Brasil, Israel argumenta que tem “direito à autodefesa” para declarar a guerra e executar um massacre de todo um povo em Gaza e na Cisjordânia. O representante israelense na ONU irritou-se quando alguns embaixadores sugeriram que ele tentasse salvar os civis palestinos em Gaza. Ele reafirmou que não era o momento de se preocupar com os “danos colaterais”, mas sim de eliminar o Hamas, mesmo que isso significasse demolir e destruir completamente a cidade. Ou seja, não lhes importam os mais de 2,2 milhões de habitantes, entre os quais, obviamente, inclui-se uma grande maioria de civis – dos quais mais da metade são mulheres e crianças. E esse governo tem o cinismo de se fazer de vítima e chamar o Hamas de terrorista. Outra característica copiada do regime nazista: a propaganda mentirosa de Goebbels, cuja frase definidora era: “uma mentira repetida inúmeras vezes se torna verdade.”

    O governo conta entre seus ministros defensores de matar ou expulsar os árabes de todo o território palestino. Como Itamar Ben Gvir, que já foi processado como terrorista inclusive pelos tribunais israelenses, mas foi liberado e hoje é ministro da Segurança Nacional. Ele declarou publicamente que é preciso matar todos os árabes, de maneira tão explícita que até os liberais israelenses o classificam de “fascista”. Ou seu ministro da Defesa, Yoav Gallant, que declarou abertamente que manterá um cerco total sobre Gaza e cortará todos os suprimentos de água, combustível e energia, pois assim destruirá o Hamas – e, obviamente, matará dezenas, senão centenas de milhares de civis, especialmente crianças. Isso constitui um crime de guerra perante o Tribunal Penal Internacional (TPI). A Anistia Internacional e a Human Rights Watch já classificaram o regime israelense como apartheid.

    Netanyahu é um sucessor político de Vladimir Jabotinsky e Menachem Begin, que foram dirigentes da ala abertamente fascista do sionismo e mantinham seu próprio grupo terrorista, chamado Irgun Zvai Leumi, que atacava os árabes tratando-os como um povo inferior. Esse grupo foi responsável pelo massacre de Deir Yassin, no qual assassinaram todos os palestinos que puderam, a fim de criar um pânico que levasse os árabes a se retirarem da Palestina, como parte da Nakba. 5

    Portanto, é de um cinismo abjeto que Netanyahu, que hoje representa o nazi-fascismo sionista, afirme estar vingando o assassinato em massa de judeus por parte do nazismo, enquanto pratica a mesma metodologia que Hitler. A diferença em relação ao nazismo original é que, desta vez, o alvo são os palestinos. Não surpreende o cinismo de Netanyahu, mas o maior cinismo provém do coro formado pelos dois partidos norte-americanos – Democrata e Republicano –, pelo governo de Macron na França, por Scholz na Alemanha, e por Sunak na Inglaterra, que se posicionam publicamente ao lado desse genocida, projetando a bandeira israelense em seus edifícios simbólicos, como a Torre Eiffel em Paris ou o Portão de Brandemburgo em Berlim. Assim como a União Europeia, alinham-se apoiando “o direito de Israel à autodefesa”. Ou seja, os fascistas sionistas querem licença total para liquidar o povo palestino – e estão conseguindo.

    Solidariedade com a resistência palestina

    O repúdio à ação genocida de Israel e a essa campanha para demonizar os palestinos, qualificando o Hamas de “terrorista” e classificando todos aqueles que apoiam a resistência como terroristas ou simpatizantes de terroristas, está gerando indignação e importantes manifestações.

    Houve muitas manifestações em diversos países, sendo as maiores no Oriente Médio – como na Jordânia, Iêmen, Iraque e Egito. Na Jordânia, cantaram “somos Hamas, se o Hamas é terrorista, somos terroristas”. Também ocorreram mobilizações nos Estados Unidos, Inglaterra, França, em outros países asiáticos como a Coreia do Sul, e na Austrália e Indonésia. Apesar do apoio incondicional a Israel por parte de governos como o de Macron na França e Sunak na Grã-Bretanha, a resistência do movimento não se abateu e, mesmo reprimida, saiu às ruas contra o genocídio do povo palestino.

    Em Paris, a polícia utilizou gás lacrimogêneo e canhões de água para dispersar uma manifestação em apoio aos palestinos, depois que o governo francês proibiu qualquer protesto deste tipo. Apesar da proibição, milhares de manifestantes se reuniram em Paris, Lille, Bordeaux e outras cidades na quinta-feira, 12 de outubro.

    Na Inglaterra, a polícia britânica advertiu que qualquer pessoa que demonstrasse apoio ao Hamas – organização considerada “terrorista” pelo governo britânico –, ou que se desviasse da rota, poderia ser presa. Mesmo assim, milhares de pessoas saíram às ruas em Londres, Manchester, Liverpool, Bristol, Cambridge, Norwich, Coventry, Edimburgo (Escócia) e Swansea.

    Na Alemanha, Scholz disse aos deputados do Bundestag (Parlamento alemão) que a segurança de Israel era uma política do Estado alemão. E proibiu manifestações pró-Palestina.

    Agora, com a continuação da guerra genocida de Israel contra Gaza, abre-se um espaço para intervir com coragem nos organismos do movimento sindical democrático, propondo que se pronunciem contra o genocídio sionista em Gaza e convocando manifestações de apoio em todo o mundo. Apoiamo-nos no BDS, um amplo movimento de boicote a qualquer investimento e intercâmbio artístico e esportivo com Israel, até que termine o regime do apartheid – seguindo o exemplo do boicote internacional contra a África do Sul durante as décadas de 1970 e 1980.

    E clamamos pelo apoio à resistência palestina, que é a forma direta de enfrentar o Estado racista de Israel e seu regime de apartheid. Como se demonstrou em mais de 20 anos dos acordos de Oslo, o caminho do “diálogo”, da “paz” e da não violência não resultou em nada concreto, exceto em desarmar a luta palestina e criar autoridades que não têm qualquer poder, exceto o de obedecer às ordens do colonizador – como sempre ocorreu com a PA [Autoridade Palestina] de Mahmoud Abbas.

    Qualquer alternativa que busque um caminho intermediário, do tipo “dois Estados”, somente paralisa o movimento. Chegou a se tornar completamente impossível, em virtude da colonização sionista em toda a Cisjordânia.

    A saída é o fim do Estado racista de Israel e o surgimento de uma Palestina laica, democrática e não racista – uma Palestina livre, do rio ao mar –, como parte da luta socialista em todo o Oriente Médio.

    Nossas diferenças com o Hamas

    Apoiamos a resistência palestina porque é a forma direta e legítima de enfrentar e derrotar o apartheid sionista. E o Hamas esteve à frente daquele ato de resistência que abriu um caminho para o povo palestino. Nossas diferenças não se referem a se é justo empreender ações armadas contra o regime genocida sionista, como fizeram todas as revoluções coloniais contra seus opressores.

    Mas consideramos que a proposta que o Hamas apresenta como saída – a de um Estado Islâmico – é equivocada e excludente, afastando os setores palestinos seculares, democráticos e socialistas de seu projeto. O Hamas também adota uma política repressiva em relação à luta das mulheres e da comunidade LGBTQI+, como se observa no Irã. Portanto, sua gestão em Gaza, fundamentada nessas premissas, teve um efeito negativo para a necessária unidade e democratização do movimento palestino.

    Mas é fundamental apoiar a resistência palestina neste combate entre Davi e Golias – que hoje é liderado pelo Hamas. E não caímos nas armadilhas do imperialismo nem daqueles setores que se declaram democráticos e de uma parte da esquerda, que, por essas questões, retiram seu apoio à resistência palestina, cedendo à pressão do imperialismo e do sionismo ao aceitarem o argumento de que os palestinos são retrógrados enquanto Israel é avançado, justificando isso, por exemplo, com leis como a do casamento LGBTQI+. Nenhuma dessas medidas pode nos fazer esquecer que, hoje, Israel tem o objetivo de exterminar todo o povo palestino e que devemos estar ao lado da resistência palestina contra essa tentativa genocida.[5]

    Notas

    1. “A polícia israelense queria retirar as bandeiras palestinas do bairro judeu. Os judeus não permitiram e se enfrentaram com a polícia. A polícia israelense invadiu o bairro de Mea Shearim, onde vivem os judeus em Jerusalém, e tentou retirar as bandeiras palestinas. Os judeus não permitiram essa ação, se opuseram à polícia sionista, e a polícia agrediu brutalmente os judeus”. Publicado por Torah Judaism (Judaísmo da Torá), 11/10/2023. ↩︎
    2. Essa “prisão nazista a céu aberto” foi chamada de “gueto” em referência aos bairros onde, na Idade Média, os antigos reinos europeus obrigavam os judeus a se concentrar, a fim de controlá-los melhor e submetê-los a massacres (os pogroms) sempre que desejassem. ↩︎
    3. Publicado por Al Jazeera, 10/10/2023. ↩︎
    4. Jenin é uma cidade da Cisjordânia que abriga um campo de refugiados, notório por sua forte resistência aos massacres sionistas. ↩︎
    5. O Irgun chegou inclusive a explodir o Hotel King David em 1946, matando ingleses, árabes e até judeus durante o Mandato Britânico (para amedrontar os britânicos, visto que o Irgun era contra reservar qualquer parte da Palestina para os árabes). ↩︎
  • A derrota militar de Israel é possível

    A derrota militar de Israel é possível

    Até o ano passado, era difícil pensar a possibilidade de uma derrota militar de Israel em sua guerra permanente genocida contra o povo palestino.  Hoje, importantes intelectuais, como Ilan Pappe, já preveem o colapso de Israel ou sua derrota militar a curto prazo. 1

    Por: Jose Welmowick, Jorge Martinez e Américo Gomes

    A crise no governo de Netanyahu e no Estado de Israel já existia antes do ataque do Hamas em 7 de outubro, no entanto, o ataque daquele dia e a resistência palestina, que não é derrotada depois de 8 meses de combate, estão agravando-a.

    Além da heroica resistência palestina, as grandes manifestações internacionais, principalmente nos países imperialistas e algumas ações dos trabalhadores destes países, desmascararam o governo israelense e potencializam a grave instabilidade política em Israel.

    A política do imperialismo de impor um enclave sionista em uma região de árabes e muçulmanos no Oriente Médio pode estar à beira de uma derrota histórica. Um dado que Ilan Pappé chama a atenção é sobre o número de judeus israelenses que estão deixando o país, preocupados com a segurança. Ele calcula em uns 500 mil israelenses tomando essa atitude, ou seja cerca de 10% da população judaica. O ex-primeiro-ministro Naftali Bennet publicou um chamado emocional para que os judeus não abandonem Israel neste momento delicado. 2

    Do ponto de vista político, portanto, já há uma derrota. Uma expressão disso é que a maioria da vanguarda da classe trabalhadora dos países ocidentais já identifica o Estado de Israel como um Estado repressor e opressor que está praticando um genocídio contra todo um povo. A maioria da juventude judaica dos EUA, país chave para a manutenção do Estado de Israel, já não se identifica com Israel e participa em massa das manifestações contra o genocídio na Palestina. Já está se dando uma derrota política para o sionismo, e a realidade do Oriente Médio já não será a mesma depois destes últimos meses.

    Embora nem todos vejam que este regime nazista e racista necessita ser destruído e eliminado, o que só pode ocorrer de maneira violenta, o repúdio é cada vez mais estendido, tendo atingido as maiores universidades dos EUA, tais como Harvard e Columbia.

    O problema está em que a maioria das organizações operárias, mesmo as que se apresentam mais à esquerda, apoiam, explicita, ou tacitamente a política de manutenção dos dois Estados e não desenvolvem uma política efetiva de apoio militar à resistência palestina.

    Em virtude desta posição, a maioria das organizações não desenvolve uma política efetiva de apoio militar à resistência palestina, nem se faz uma política de exigência para que os governos da região rompam as relações com Israel, declarem-se solidários e apoiem o esforço dos palestinos para derrotar Israel militarmente.

    Por outro lado, se aqueles que se dizem pela vitória da resistência, como o Hezbollah e o Irã apoiassem efetivamente e abrissem uma outra frente de combate, acelerariam a crise e a derrota militar do enclave sionista.

    A farsa da democracia do estado de Israel

    Israel tenta se apresentar como uma democracia, inclusive que respeita as minorias oprimidas, diferente dos outros países da região, como os Estados muçulmanos.

    No entanto, o regime que existe é o de um estado colonial de apartheid, que pratica discriminação e segregação racial sistêmica de forma desumana para oprimir os palestinos. Na realidade, os cidadãos palestinos de Israel são de segunda classe e os palestinos dos territórios ocupados são submetidos a regras coloniais 3 sem ter nenhum direito. As prisões sionistas estão repletas, com milhares de prisioneiros palestinos presos sem sequer uma acusação formal, mas que ficam meses ou anos detidos sem ter acesso sequer a um julgamento.

    Israel realiza eleições regulares, tem um parlamento, um Supremo Tribunal e instituições clássicas de uma democracia, e uma imprensa em alguma medida livre para os israelenses, mas nada para os árabes.  A propaganda sionista fala todo o tempo de ser a única ‘democracia’ do Oriente Médio.  Na verdade, esta democracia parlamentar é para os cidadãos judeus, pois os árabes são excluídos. Mesmo nela, uma série de decisões políticas e jurídicas autoritárias foram tomadas nos últimos anos apenas para salvar o poder do atual governo Netanyahu, que inclusive levaram a protestos de massa dos próprios israelenses nas ruas.

    Na Cisjordânia, existe uma série de assentamentos judeus ilegais pelas normas do direito internacional e da ONU e, além disso, os muros que separam Israel dos territórios ocupados obrigam os palestinos que vivem nas cidades da área a passar por um emaranhado de postos de controle se quiserem se deslocar por esses territórios ou trabalhar dentro das fronteiras de Israel de 1967, nos quais são submetidos a humilhações diárias e retenção em filas por horas a fio. E os colonos judeus dessas áreas são a base para os agrupamentos diretamente fascistas que integram governos como o de Netanyahu e ministros importantes como Smotrich ou Bengvir que falam abertamente no extermínio físico dos palestinos.

    O fato é que 5 milhões de palestinos que estão sob ocupação israelense não têm direitos nem mesmo a voto. Se todos que estivessem sujeitos à autoridade israelense tivessem o direito de votar, a maioria seria palestina. Se incluirmos os milhões de refugiados palestinos fora do país que gostariam de regressar à sua terra natal, o quadro se torna ainda mais complexo para os sionistas. Por isso, a maioria eleitoral sionista tem feito uma série de leis discriminatórias que visam limitar os direitos de cidadãos não-judeus de Israel cada vez mais.

    Essas são as principais razões pelas quais muitos observadores internacionais não consideram Israel uma verdadeira democracia. Assim como as entidades de direitos humanos, cada vez mais, responsabilizam Israel por estar cometendo um genocídio com sua agressão assassina em Gaza e na Cisjordânia.

    Israel não aceita o estado palestino

    Apesar da farsa imperialista da política dos dois Estados, para os partidos que governam Israel, a única opção possível neste momento é uma solução de um Estado único, mas desde que se mantenha o status quo de um Estado com territórios ocupados e apartheid e nem consideram a possibilidade de um Estado palestino na Cisjordânia e em Gaza, onde os palestinos tenham plenos direitos políticos.

    A saída democrática está na proposta original da OLP, de uma Palestina única, livre, laica e democrática. A política dos ‘dois estados” serve apenas para encobrir os países imperialistas que apoiam Israel com uma aparente política de “justo meio”, pois levantam essa posição para atrair um setor da sociedade palestina e para justificar sua posição pró-Israel e tentar dar credibilidade a seus esforços de impor uma ‘paz dos cemitérios’, que acabe com a revolta palestina. Mas o setor que simboliza essa política no interior da sociedade palestina, a ANP e seu líder Abbas tem cada vez menos apoio, e na verdade cumpre um papel de polícia interna da ocupação sionista.

    A política de dois Estados também serve para ganhar tempo para levar a cabo o genocídio do povo palestino, à medida que Israel aumenta a sua ocupação territorial ilegal, inflando a imigração, e tentando crescer aumentando a natalidade entre as comunidades religiosas fundamentalistas.

    A verdadeira política que se vê na realidade é a que afirma o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu: “Vamos transformar Gaza numa ilha deserta. Aos cidadãos de Gaza, eu digo: vocês devem partir agora. Iremos atacar todos e cada um dos cantos da faixa.” Para os sionistas, a alternativa para os palestinos é evacuar ou morrer com os palestinos não tendo para onde correr.

    Israel não é invencível

    A invencibilidade militar de Israel foi por terra. Seu grande desenvolvimento tecnológico e capacidade de monitoramento têm sido vendidos através de seus softwares espiões, como o Pegasus, para muitos países ao redor do mundo, incluindo países árabes.

    Mas o ataque do Hamas em 07 de outubro demonstrou que o sistema de inteligência das forças de Israel, com seus drones de vigilância, suas câmeras de segurança e todo seu aparato de coleta de informações mostrou-se um fracasso. 

    Além da confiança em sua tecnologia militar Israel confiava em seu muro, construído com alto custo, que os combatentes palestinos simplesmente demoliram com escavadeiras e caminhões, passaram com motocicletas e jipes e sobrevoaram com asas deltas.

    Os soldados que o guarneciam foram esmagados e demonstraram pouca resistência, mostrando que estavam com o moral baixo. Desmoralização que se reflete na incapacidade das forças armadas de derrotar a resistência palestina depois de 8 meses de combate e de toda a destruição provocada em Gaza.

    Essa situação levou o principal porta-voz das Forças de Defesa de Israel, Contra-Almirante Daniel Hagari, a afirmar que “o Hamas é uma ideia” que não pode ser eliminada e não dizer isso é “jogar areia nos olhos do público“.

    Recentemente, o New York Times publicou uma matéria, mostarndo que os principais generais de Israel defendem um cessar-fogo na Faixa de Gaza, mesmo com o Hamas mantendo o poder. Cresce a diferença entre o comando militar e o governo Netanyahu, que continua defendendo que a guerra só terminará “depois de ter atingido todos os seus objetivos, incluindo a eliminação do Hamas e a libertação de todos os nossos reféns“. Os generais admitem que estão subequipados para os combates, com menos munições, menos peças de reposição, e menos energia moral. 4

    Estes fatos obrigaram Netanyahu a dissolver seu gabinete de guerra, ainda mais depois que o ex-ministro da Defesa Benny Gantz acusou-o de atrapalhar a “vitória real“. A divisão nos altos escalões do estado sionista é uma expressão do fracasso de sua ofensiva para esmagar a resistência. Netanyahu é acusado abertamente de manter a guerra para salvar seu mandato, já que uma vez que o conflito acabe, ele corre o risco de ser julgado inapto para o cargo por corrupção. Manifestações com dezenas de milhares de israelenses vêm crescendo, exigindo um acordo de cessar-fogo e que Israel aceite a proposta da resistência palestina e faça a troca de reféns israelenses por prisioneiros palestinos feitos por Israel em todos esses anos de ocupação.

    A resistência palestina se mantém forte em Gaza e na Cisjordânia

    Além de não ter conseguido destruir a resistência palestina em Gaza, o exército de Israel está sendo obrigado a renovar os combates mesmo nas áreas da Faixa que foram ocupadas. Apesar do governo Netanyahu afirmar que desmantelou o aparato militar da Resistência no norte da Faixa de Gaza, em janeiro de 2024, no bairro de al-Shujaiya, na Cidade de Gaza, estão se dando violentos combates há meses. Com as forças blindadas e de infantaria israelitas recebendo reforços e estando mais bem equipadas e com maior poder de fogo, apoiadas pela Força Aérea. Os combatentes da Resistência Palestina estão enfrentando as forças hostis e causando baixas em forma permanente ao inimigo nessa região.

    Segundo informa o site Al Mayadeen, as Brigadas al-Quds da Jihad Islâmica Palestina (PIJ) atacaram os tanques israelenses Merkava 4, usando o Shawaz EFP, (uma ogiva autoformada) e foguetes (RPG) al-Yassin. Combatentes do Al-Qassam também enfrentaram as forças de ocupação em Tal al-Hawa, outro bairro no sul da Cidade de Gaza, disparando um RPG contra os soldados.

    As forças de ocupação no assentamento de Netsarim e em Kissufim foram atacadas em suas bases militares por combatentes da Resistência, que dispararam vários tipos de projéteis de artilharia e foguetes em sua direção. 5

    Depois da invasão terrestre da Faixa de Gaza, no final de outubro de 2023, a Resistência Palestina, com as Brigadas al-Qassam do Hamas, recuperaram capacidades operacionais eficazes em Jabalia e seu campo de refugiados, no norte de Gaza.

    Em Rafah, a Resistência Palestina continua a enfrentar as forças de ocupação lançando foguetes contra instalações militares israelenses, como em Sufa, leste da cidade, e no bairro de al-Saudi, o local da base militar de Karem Abu Salem. Uma equipe de franco-atiradores da Al-assam conseguiu abater soldados israelenses perto da mesquita al-Shibli, no leste de Rafah. As Brigadas também dispararam foguetes RPG al-Yassin contra um APC israelense no bairro de Al-Saudi. No bairro de al-Shaboura, combatentes de Al-Qassam dispararam projéteis RPG contra os tanques israelenses Merkava.

    Também na Cisjordânia, a resistência está infligindo perdas às tropas de ocupação sionistas.  Em Jenin, as Brigadas Al-Quds estão enfrentando as forças de ocupação israelenses que invadiram a cidade. Com seus artefatos explosivos improvisados (IEDs). Na área de Sahel Marj Bin Aamer, no norte de Jenin, vários soldados israelitas foram feridos, no que foi chamado pelas Brigadas de “Operação Fúria de Jenin 2“. Veículos blindados israelenses foram destruídos, como o Panther Personnel Carrier (APC).

    Essas são demonstrações de que a disposição dos combatentes da Resistência Palestina é de continuar a lutar contra a ocupação israelense até que esta seja derrotada na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. 6

    Estes combatentes necessitam de apoio político, contrabandos de armas e de que as nações árabes e muçulmanas da região se unam e isolem Israel em toda a região.

    As manobras imperialistas

    Como a situação está adversa para Israel e os sionistas, apareceram outras propostas de saída negociada. Nos marcos da ONU, os integrantes do Conselho de segurança como China e Rússia tentam conseguir uma suspensão das hostilidades, para que os negócios voltem a fluir.  Porém, esses países, apesar de algumas declarações e críticas ao Estado sionista, assim como os governos das nações árabes e muçulmanas, não fazem nada efetivamente para ajudar a Resistência. Todos se disciplinam às decisões do Conselho de Segurança, onde os EUA, com seu direito de veto, impedem qualquer política efetiva que obrigue Israel a recuar da invasão genocida a Gaza, e da repressão assassina na Cisjordânia.

    De fato, esperam que Israel aplaste a Palestina para que a região volte à ‘normalidade’. Enquanto o imperialismo, por seu lado, unificado, fala sobre a política dos dois Estados, visando derrotar a resistência palestina com manobras protelatórias e dissuasivas.

    Os EUA chegaram a falar em suspensão do fornecimento de ajuda militar a Israel, mas nada disso se efetivou, muito pelo contrário. 7 Os pedidos de mandados de prisão dos líderes de Israel e do Hamas apresentados no Tribunal Penal Internacional (TPI) expressam o repúdio massivo que está tendo o genocídio transmitido ao mundo com imagens ao vivo, mas não têm o poder de impedir a continuidade da invasão, nem o apoio militar decisivo dos EUA a Israel. E quando a Espanha, a Noruega e a Irlanda reconhecem formalmente a Palestina como Estado, é só para encontrar um caminho para estabilizar a situação, com o objetivo de ganhar tempo para a derrota da Resistência Palestina.

    Um programa para a vitória militar

    Por Israel ser uma potência militar que visa massacrar um povo em condições de inferioridade militar, além de ser fortemente apoiada pelas potências imperialistas, o esforço para sua derrota deve combinar uma série de fatores.

    A começar pela mobilização da classe trabalhadora, com atos e manifestações, mas também com boicotes e bloqueios de materiais militares, a estilo do boicote aos produtos de Israel através do movimento do BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções) e os embargos em portos e aeroportos ao comércio com o agressor genocida. Mas também é necessário que a solidariedade à Resistência Palestina, além de política, seja militar, com o envio de armas pelos países que reconhecem que há um genocídio.

    Os Estados Árabes e da região devem romper com o Acordo de Abraham e declarar sua ruptura com Israel, a começar pelo Irã e Arábia Saudita. Mas não basta só romper relações políticas e econômicas. Além disso, os países da região devem regionalizar o conflito militar atacando o Estado sionista.

    A causa palestina exige uma “nova Intifada regional”, com o apoio dos palestinos que vivem na Jordânia. O Egito e outros países vizinhos podem prestar apoio militar direto aos palestinos perseguidos e com suas vidas ameaçadas na Cisjordânia e em Gaza.  O Hezbollah deve ter uma postura ofensiva contra Israel, partindo do conflito no sul do Líbano e no norte de Israel em solidariedade aos palestinos de Gaza e Cisjordânia. Além disso, os países da região devem se colocar claramente ao lado dos palestinos, colocando a agressão sionista como um conflito militar contra todas as nações árabes e muçulmanas da região e isolando o Estado sionista.

    Acreditar em uma paz sem a derrota militar de Israel é uma utopia reacionária. Não há possibilidade de paz no SWANA ou a existência de uma Palestina Livre e Democrática sem a destruição do Estado de Israel.


    Notas

    1. https://outraspalavras.net/geopoliticaeguerra/o-colapso-do-sionismo-e-israel/ ↩︎
    2. Nota de Naftali Bennett. ↩︎
    3. Para que se veja a expressão dessa atitude colonialista, utiliza-se as regulamentações do período colonial britânico sobre a Palestina entre 1918 e 1947 nos casos que envolvem palestinos dos territórios ocupados. ↩︎
    4. Guerra em Gaza: Sem munições e energia, generais israelenses querem cessar-fogo no enclave palestino (globo.com) ↩︎
    5. Resistência palestina enfrenta nova invasão de al-Shujaiya | Al Mayadeen Inglês ↩︎
    6. Idem ↩︎
    7. A Casa Branca informou ao Congresso que planeja enviar mais de US$ 1 bilhão em novas armas para Israel. ↩︎

    Publicado em julho de 2024 em www.litci.org/pt

  • As mentiras do sionismo e a ‘solução final’ de Israel em Gaza

    As mentiras do sionismo e a ‘solução final’ de Israel em Gaza

    O dia 7 de outubro vai ficar na história da luta pela libertação nacional na Palestina e no Oriente Médio. Foi o dia em que a resistência palestina conseguiu infligir uma derrota ao exército ocupante e romper por um período o cerco a que são submetidos diariamente por Israel, há 16 anos. Uma incursão preparada e coordenada conseguiu romper em vários pontos a cerca em volta de Gaza, que impede a saída de qualquer palestino. As câmeras e dispositivos de vigilância não funcionaram porque foram inutilizadas pelos combatentes. Até esse dia, a fama acumulada por Israel em várias guerras contra seus vizinhos árabes e da guerra permanente contra os palestinos havia dado um prestígio macabro, a tal ponto que sua tecnologia de vigilância, seus carros blindados de repressão à população vinham sendo exportada para muitos países.

    Por: Jose Welmowick

    Foi um fiasco do exército israelense. Em geral, os especialistas da área apontam centralmente a uma falha do aparato de inteligência, tais como Mossad. A nosso ver, não foi somente esse o fracasso. A reação das tropas da brigada que vigia Gaza foi derrotada facilmente pelos militantes de Hamas. Pelas informações que foram divulgadas, muitos oficiais e até mesmo coronéis e generais foram aprisionados. A reação do restante do exército foi tardia e lenta. O que pode estar por trás dessa derrota são dois fatores: 1) toda ocupação colonial leva a um desgaste das tropas envolvidas, e vai gerando uma incapacidade crescente para combater. É o que aconteceu com as tropas francesas na Indochina e Argélia, as norte-americanas no Vietnam. Sua atividade cotidiana é reprimir a população desarmada em forma perversa e covarde. 2) Quando os oprimidos se rebelam e enfrentam essas tropas elas não têm confiança em suas forças, ficam assustadas com a reação dos rebeldes oprimidos. No caso dos soldados sionistas em Gaza, os vídeos gravados mostram esse tipo de reação das tropas da guarnição a cargo da repressão em Gaza.

    Mas o que é trazido para nós e se vê em forma esmagadora na mídia é que tudo se tratou de um atentado terrorista de Hamas contra a população civil de Israel. Não tem nenhuma causa, a não ser a sanha assassina’ dessa organização.

    E como aconteceu na guerra do Iraque, e em muitas outras do Oriente Médio, uma série de fake News foram sendo divulgadas. A falsa história da suposta decapitação de bebês chegou a ser divulgada pelo presidente dos Estados Unidos, Biden, que chegou a mentir dizendo que viu essas fotos, quando eram apenas uma invenção de um blogueiro israelense de ultra direita, sem nenhuma comprovação. Ela acabou sendo desmentida, mas sem nenhum destaque. Vídeos distribuídos como prova de ‘ataques a civis’ mostravam na verdade um ataque a uma base militar israelense em que soldados surpreendidos tratam de se esconder de uma coluna de Hamas, que acaba invadindo e depois esses mesmos soldados aparecem mortos. Ou seja, era uma batalha militar. E invasões a aldeias e bairros de cidades israelenses vizinhas a Gaza são apresentadas como ataque premeditados a civis, quando numa guerra assimétrica como essa entre o Estado de Israel e a faixa de Gaza, cercada e bombardeada sistematicamente, as aldeias e cidades próximas à Gaza fazem parte do dispositivo militar do ocupante, no caso Israel, e, portanto, tem que ser enfrentados quando fazem uma incursão militar em resposta ao cerco, são alvos militares. Pelo menos, é assim que Israel trata tanto a própria Gaza como a Cisjordânia há décadas, que é a fonte de toda a violência, mas esses mesmos meios de comunicação não dizem uma palavra de condenação quando os colonos e o exército sionista invadem aldeias, destroem as casas da população, e matam seus habitantes.

    O que chama a atenção é que para a mídia e os governos e partidos dos EUA e da UE, e para essa mídia, os bombardeios massivos sobre Gaza que matam civis em uma quantidade impressionante são apenas “uma retaliação” de Israel! Portanto, segundo eles, justificada. Ou seja, seguem o mesmo roteiro do ministro da defesa israelense que classificou os habitantes de Gaza como “animais humanos”. O máximo que alguns fazem é sugerir ‘contenção’ aos genocidas.

    A mídia não mostra nada do sofrimento das crianças palestinas, nem antes, nem depois dos ataques. Não dão nenhuma importância a fatos como: 9 funcionários da ONU em Gaza foram assassinados pelo exército de Israel quando tentavam socorrer os habitantes feridos. Mas Israel declara que todos os seus alvos são militantes terroristas que “se escondem nas casas dos palestinos’, e, portanto, qualquer alvo residencial ou até mesmo instalações médicas e escolas em Gaza são parte dos seus objetivos de guerra.

    Estamos assistindo, em tempo real pela mídia mundial e as redes sociais, cenas idênticas à Nakba de 1948. O governo israelense, não contente com o deslocamento forçado de mais de um milhão de pessoas em poucas horas, declara que devem sair do território imediatamente para não ser atingidos por seus bombardeios. E ainda mandou bombardear um comboio de palestinos que tentaram sair do Norte para chegar ao Sul da Faixa. E que diz a mídia? É parte da “contraofensiva” de Israel, que de princípio está justificada e não mostra nenhuma foto ou filmagem das atrocidades e dos assassinatos de civis palestinos em Gaza.

    Há mais uma omissão vergonhosa da mídia mundial: inundam a TV e os jornais com as declarações das entidades judaicas sionistas e ligadas a Israel, todas defendendo os ataques do estado racista de Israel (chegam a dizer que um Estado que nasceu de uma limpeza étnica, que mantem uma ocupação por décadas e trata os palestinos como cidadãos de segunda classe ou prisioneiros em suas cidades é a única democracia do Oriente Médio!).

    Mas não dão uma linha para os movimentos judaicos que se colocam contra a linha genocida de Israel. Alguns deles são bastante fortes, como Jewish Voices for Peace (Vozes judaicas pela Paz) dos Estados Unidos, que tem mais de 440 mil membros e apoiadores. Movimentos como esse já vinham fazendo campanhas contra o apartheid israelense e o racismo colonial. E nesse momento, mantiveram sua postura frente ao processo em Gaza. A seguir reproduzimos um trecho do pronunciamento de Jewish Voices for Peace (JVP) do dia 7/10/2023:

    “O governo israelense pode ter acabado de declarar guerra, mas a sua guerra contra os palestinianos começou há mais de 75 anos. O apartheid e a ocupação israelenses – e a cumplicidade dos Estados Unidos nessa opressão – são a fonte de toda esta violência. A realidade é montada de acordo a quando você inicia o relógio.

    Durante o ano passado, o governo mais racista, fundamentalista e de extrema-direita da história de Israel intensificou impiedosamente a sua ocupação militar sobre os palestinianos em nome da supremacia judaica, com expulsões violentas e demolições de casas, assassínios em massa, ataques militares a campos de refugiados, cercos implacáveis e humilhação diária. Nas últimas semanas, as forças de Israel atacaram repetidamente os locais muçulmanos mais sagrados em Jerusalém. Durante 16 anos, o governo israelita sufocou os palestinos em Gaza sob um bloqueio militar aéreo, marítimo e terrestre draconiano, prendendo e matando de fome dois milhões de pessoas e negando-lhes assistência médica. O governo israelita massacra rotineiramente palestinos em Gaza; crianças de dez anos que vivem em Gaza já ficaram traumatizadas por sete grandes campanhas de bombardeamento nas suas curtas vidas”.

    Nos Estados Unidos existiam pesquisas recentes apontando que mais de 50% da juventude judaica desse país não se sente identificada com Israel, um dado que assusta os dirigentes sionistas locais e a Organização Sionista Mundial. Há outros movimentos que unem esses setores a movimentos progressistas e comunidades de origem árabe ou muçulmana nos EUA, como mostra a carta escrita pelo Comitê de Solidariedade com a Palestina de Graduação de Harvard, que afirmava que os estudantes “responsabilizam inteiramente o regime israelense por toda a violência em curso”, carta que foi assinada por 33 grupos de estudantes. Que haja sido em Harvard, universidade de elite desse país surpreendeu sua cúpula. A reitoria se pronunciou se diferenciando da carta assim como vários ex-alunos, que foram ou hoje são executivos de grandes empresas ou ministros no governo americano. Também na New York University (NYU), os alunos se expressaram em uma declaração contra o genocídio de Israel.

    A mídia tampouco dá cobertura aos protestos dos judeus ultra religiosos que vivem em Jerusalém, no bairro Mea Shearim, são anti-sionistas, e colocaram uma bandeira palestina em seu templo para mostrar repúdio ao massacre. Por causa disso foram duramente reprimidos, golpeados pela polícia israelense e seu templo foi invadido para retirar a bandeira palestina de lá.[1] Só há uma verdade e um ponto de vista válido para a mídia e o stablishment imperialista: o do governo genocida de Netanyahu e seu defensor incondicional, o imperialismo norte-americano, através do governo Biden.

    Qual é a situação dos palestinos na Cisjordânia?

    Na Cisjordânia, existem três ‘áreas’ destinadas umas aos palestinos, outras aos colonos judeus, que já somam 750 mil. Estes têm total liberdade de ir e vir tanto na Cisjordânia, como em Israel. Jerusalém Oriental, que pela própria partição de 1948 deveria pertencer ao estado palestino a ser criado, foi anexada em 1967 à Jerusalém judaica sob controle dos sionistas.  Para os palestinos circular de uma área à outra somente através de inúmeros checkpoints, onde muitas vezes passam horas se submetendo a revistas humilhantes pelas tropas israelenses. Os colonos tem um comportamento abertamente racista e agressor sobre os palestinos, e são protegidos pelo exército. O mesmo acontece com os palestinos que vivem na cidade de Jerusalém.

    Um dos argumentos falaciosos dos defensores de Israel na mídia é que se trata de uma “guerra contra o Hamas”, não contra todos os palestinos. Por isso, a questão está em Gaza. Essa é outra mentira. A guerra contra os palestinos se centra em Gaza hoje, mas ao mesmo tempo está submetendo a Cisjordânia a um cerco semelhante e a assassinatos de civis. Esse processo já vinha desde muito antes, mas agora se multiplicaram em forma macabra a partir de 7 de outubro. Segundo os informes de agências de notícias, do Crescente Vermelho (a Cruz Vermelha dos muçulmanos), e de organizações dos direitos humanos, desde o dia 7 de outubro ao dia 14, 55 palestinos foram assassinados e 1.100 feridos por ataques dos colonos sionistas na Cisjordânia, com a cumplicidade ou participação das forças armadas israelenses. Todos eram civis, famílias indo de uma cidade à outra, trabalhadores ou pequenos comerciantes tentando abrir seus negócios. Até mesmo o cortejo de um funeral foi atacado a tiros, matando pelo menos 4 palestinos que participavam. Em nenhum desses ataques seus integrantes eram militantes de Hamas. Só tinham uma característica em comum: eram árabes palestinos. Essa é mais uma demonstração de que a política é de guerra e expulsão de todos os palestinos.

    O estado racista de Israel nasceu em 1948 com a Nakba, a limpeza étnica que expulsou 750 mil árabes das suas terras. Mas como não pôde se livrar completamente dos palestinos, seguiu sua ação nestes 75 anos. A partir de 1967, com a ocupação de Gaza e Cisjordânia, manteve seus habitantes submetidos a um regime militar, que tratava seus habitantes como prisioneiros e se beneficiava de seu trabalho escravo, e elas não tinham quaisquer direitos. Ao mesmo tempo, colonizavam novas terras expropriando os palestinos, seja em Jerusalém Oriental, seja na Cisjordânia, com colonos judeus

    Devido à resistência permanente, as duas Intifadas em 1987-1992 e a do ano 2000, somadas à persistente resistência, sua estratégia veio mudando. Agora, frente à resistência armada, essa estratégia se tornou explicita: a limpeza étnica de todo o território da Palestina. Para eles, ou saem da Palestina, ou morrem. Por isso, se veem os colonos da Cisjordânia gritarem: “Morte aos árabes” e atuarem de acordo a suas palavras, ou seja, executando pogroms. Da mesma forma como os antissemitas faziam contra os judeus na Europa Oriental. Os últimos foram em Huwara y Turmus Ayya, na Cisjordânia.

    Netanyahu apresentou na sessão da ONU do último mês de setembro um ‘novo mapa’ da região. Nele, não existe mais Palestina, nem sequer territórios ocupados. Só existe Israel, ocupando todo o território entre o mar Mediterrâneo e o Rio Jordão. (foto do mapa apresentado na ONU por Netanyahu).

    Uma analogia com a resistência judaica contra os nazistas: o Levante do Gueto de Varsóvia

    A partir da invasão nazista à Polónia, em 1939, o ocupante alemão decidiu concentrar os judeus de todo o país em uma pequena região da capital, que ficou conhecida como “Gueto de Varsóvia”[2]. Os nazistas assim o fizeram para poder controlá-los como numa prisão, tinha muros e cercas em toda a volta do gueto, de modo tal que só podiam sair os que tinham determinado cartão, com a finalidade de utilizar seu trabalho em forma semelhante à escravidão. A comunidade judaica na Polônia era a maior dos países ocupados por Hitler.

    Essa política dos nazistas para os judeus poloneses concentrados em Varsóvia durou até que eles resolveram partir para a ‘solução final’ em 1942: construir os campos de concentração com câmaras de gás para exterminar todos os judeus. A partir daí foram capturando os que ainda sobreviviam no gueto e enviando-os para a morte. De 380 mil residentes no início do gueto, cerca de 300 mil foram enviados para a morte entre 1942 e 43.

    Quando perceberam que esse era o destino que esperava a todos, os judeus sobreviventes resolveram resistir armados mesmo estando em uma enorme inferioridade militar e logística. Formaram uma organização de resistência unida, a ZOB, e organizaram um levante em abril de 1943 que conseguiu enfrentar os soldados alemães por mais de 30 dias, causando baixas importantes às tropas nazistas. Sabiam que havia uma decisão de serem levados e mortos nas câmaras de gás dos campos de extermínio nazista. Optaram por resistir e morrer lutando. Os nazistas chamavam os combatentes judeus de ‘terroristas’.

    Como afirma Haidar Eid, professor da Universidade al Aqsa em Gaza, em seu artigo Gaza 2023: Nosso momento semelhante ao Levante do Gueto de Varsóvia[3], “uma clareza do destino que Israel impôs aos palestinos de Gaza e também da Cisjordânia os levou a assumir o mesmo tipo de decisão: “Em Gaza e Jenin[4], recusamo-nos a marchar para as câmaras da morte de Israel. Em Gaza e Jenin – na verdade, em toda a Palestina histórica – deixamos absolutamente claro que resistiremos ao regime de colonos, ao regime colonial e de apartheid entre o Rio Jordão e o mar Mediterrâneo.”

    É nesse quadro que tem de se entender a luta armada desencadeada pelos residentes palestinos. 

    Do genocídio lento ao extermínio

    O que está passando hoje, frente a resistência armada palestina e o fracasso do intento sionista de escravizar o povo palestino e obrigá-lo a viver em condições sub-humanas para sempre, é a decisão de Netanyahu de arrasar toda Gaza, transformar o genocídio em marcha lenta dos últimos 30 anos em genocídio direto através dos bombardeios contra todos os habitantes, corte definitivo de abastecimento de água, energia.

    O governo israelense fez um chamado cínico a quem quiser sobreviver, que saia da faixa imediatamente, isso ao mesmo tempo que Israel bombardeia a passagem entre Gaza e Egito, a única ainda aberta. Como denunciaram os médicos da Cruz Vermelha e funcionários da missão da ONU em Gaza, assim como a própria Organização Mundial de Saúde, vinculada à ONU, é uma ordem impossível de ser cumprida por uma população de mais de um milhão e equivale a uma condenação à morte de doentes e feridos hospitalizados em Gaza. Ou seja, com a escusa de estar fazendo uma ‘retaliação’ aos ataques do Hamas, Israel condenou à morte toda a população residente sob a cobertura de destruir os ‘terroristas’. Em forma semelhante ao que fez Hitler contra os judeus a partir da ‘solução final’ de 1942 em diante e frente à revolta, decidiu acabar com o gueto de Varsóvia pela sua destruição.

    Com a cobertura dos governos ocidentais, da esmagadora maioria da mídia e a cumplicidade dos governos que se dizem ‘amigos dos palestinos’, como Lula no Brasil, Israel argumenta que tem o “direito a defender-se” para declarar guerra e praticar um massacre de um povo inteiro em Gaza e na Cisjordânia. O representante israelense na ONU ficou irritado porque houve alguns embaixadores que sugeriram que tentasse poupar os civis palestinos em Gaza. Ele reafirmou que não é hora de preocupar-se com os ‘danos colaterais’, e sim em liquidar o Hamas, nem que para isso tenha que demolir e destruir totalmente a cidade. Ou seja, os mais de 2,2 milhões de habitantes, que obviamente inclui uma grande maioria de civis, dos quais mais da metade são mulheres e crianças, não lhes importa. E esse governo tem o cinismo de se fazer de vítima e chamar Hamas de terrorista. Outra característica copiada do regime nazista: a propaganda mentirosa de Goebbels, que tinha uma frase definidora: “uma mentira repetida inúmeras vezes vira verdade”.

    Um governo que tem entre seus ministros defensores de matar ou expulsar os árabes de todo o território palestino. Como Itamar Ben Gvir, que já foi processado como terrorista até pelos tribunais israelenses, mas foi liberado e hoje é ministro de Segurança Nacional. Ele declarou publicamente que todos os árabes devem ser mortos, de tal forma que até os liberais israelenses o classificam de “fascista”. Ou seu ministro da defesa, Yoav Gallant que declarou abertamente que vai manter um cerco total a Gaza, e cortar todo o abastecimento de água, combustível e energia, porque assim destruirá Hamas. E obviamente matará dezenas se não centenas de milhares de civis, em especial crianças. O que constitui um crime de guerra para o ICIC. Anistia Internacional e Human Rights Watch já haviam classificado o regime de Israel como de apartheid.

    Netanyahu é um sucessor político de Vladimir Jabotinsky e Menachem Begin, que eram dirigentes da ala diretamente fascista do sionismo, que manteve um grupo terrorista próprio chamado Irgun Zvai Leumi, que atacava os árabes tratando-os como um povo inferior; esse grupo foi responsável pelo massacre de Deir Yassin em que assassinaram todos os palestinos que puderam, para criar um pânico que levasse à retirada dos árabes da Palestina, como parte da Nakba.[5]

    Por isso, é um cinismo abjeto de Netanyahu reivindicar estar vingando o assassinato em massa dos judeus pelo nazismo ao mesmo tempo que praticam a mesma metodologia de Hitler, quando eles são hoje o nazi-fascismo sionista. A diferença com o nazismo original, é que desta vez se dá contra os palestinos. O cinismo de Netanyahu não surpreende, mas o cinismo maior vem do coro que inclui os dois partidos norte-americanos, Democrata e Republicano, o governo Macron da França, Scholz da Alemanha, Sunak no Reino Unido. Que publicamente se colocam ao lado deste genocida, projetando a bandeira de Israel em seus prédios símbolo, como a Torre Eiffel em Paris ou o Portão de Brandeburgo em Berlim, e assim como a União Europeia se enfileiram apoiando o “direito de Israel a se defender”. Ou seja, os fascistas sionistas querem licença total para liquidar o povo palestino, e estão conseguindo.

    A solidariedade à resistência palestina

    O repúdio à ação genocida de Israel e a essa campanha demonizadora dos palestinos pela via de colocar Hamas como “terrorista” e classificar todos os que apoiam a resistência de terroristas ou apoiadores de terroristas está gerando uma indignação e importantes manifestações.

    Houve muitas manifestações em distintos países, as maiores no Oriente Médio, como na Jordânia, no Iêmen, Iraque, Egito. Na Jordânia cantavam “somos Hamas, se Hamas é terrorista, nós somos terroristas”. Estão havendo mobilizações também nos EUA, Inglaterra, França, em outros países da Ásia, como Coréia do Sul, e ainda na Austrália e na Indonésia. Apesar do apoio incondicional a Israel por governos como Macron na França, Sunak na Grã Bretanha, o movimento palestino não se curvou e, embora reprimido, saiu às ruas contra o genocídio do povo palestino.

    Em Paris, a polícia usou gás lacrimogêneo e canhões de água para dispersar uma manifestação de apoio aos palestinos, após o governo francês ter proibido qualquer protesto do tipo. Apesar da proibição, milhares de manifestantes reuniram-se em Paris, Lille, Bordéus e outras cidades na quinta-feira 12/10.

    Na Inglaterra, a polícia britânica alertou que qualquer pessoa que demonstre apoio ao Hamas, uma organização considerada “terrorista” pelo governo britânico, ou que se desvie da rota, poderia ser presa. Mesmo assim, milhares de pessoas saíram às ruas em Londres, Manchester, Liverpool, Bristol, Cambridge, Norwich, Coventry, Edimburgo (Escócia) e Swansea.

    Na Alemanha, Scholz disse aos deputados no Bundestag (Parlamento alemão) que a segurança de Israel era uma política de Estado alemã. E proibiu as manifestações pró- Palestina.

    Agora frente a continuação da guerra genocida de Israel contra Gaza, se abre um espaço para intervir com coragem nos organismos do movimento sindical, democrático propondo que se pronuncie contra o genocídio sionista em Gaza e chamar a manifestações de apoio em todo o mundo. Apoiamos o BDS, um movimento amplo de boicote a qualquer investimento e intercâmbios artístico e esportivo em Israel até que termine o regime de apartheid, seguindo o exemplo do boicote internacional contra a África do Sul e seu regime de apartheid nos anos 70 e 80.

    E chamamos ao apoio à resistência palestina, que é a forma direta para enfrentar o estado racista de Israel e seu regime de apartheid. Como se mostrou em mais de 20 anos após os acordos de Oslo, o caminho do ‘diálogo’’, da “paz” e da não violência não levou a nenhum resultado concreto, a não ser desarmar a luta palestina e a criar autoridades que não tem nenhum poder, fora o de obedecer às ordens do colonizador, como sempre foi a ANP de Mahmoud Abbas.

    Qualquer alternativa de buscar um caminho do meio, tipo “dois estados” só paralisa o movimento. Inclusive já ficou completamente impossibilitado pela colonização sionista em toda a Cisjordânia.

     A saída é o fim do estado racista de Israel e o surgimento de uma Palestina laica, democrática e não racista, uma Palestina livre, do rio  ao mar, como parte da luta socialista em todo Oriente Médio.

    Cartaz do Jewish Voice for Peace de 15/10/23

    Nossas diferenças com Hamas

    Apoiamos a resistência palestina porque é a forma direta e legítima de enfrentar e derrotar o apartheid sionista. E o Hamas esteve à cabeça desse ato de resistência que mostrou um caminho para o povo palestino. Nossas diferenças não estão sobre se é justo fazer ações armadas contra o regime sionista genocida, como fizeram todas as revoluções coloniais contra seus opressores.

    Mas consideramos a proposta que eles apresentam como saída, de um Estado Islâmico equivocada e estreita, afastando os setores seculares palestinos, democráticos e socialistas de seu projeto. Também tem uma política repressiva para a luta das mulheres, e dos LGTBQI+ como se vê no Irã atual. Por isso, sua gestão em Gaza partindo dessas premissas, teve um efeito negativo para a necessária unidade e a democracia no interior do movimento palestino.

    Mas hoje é fundamental apoiar a resistência palestina, nesse combate de David contra Golias e que hoje é encabeçada por Hamas. E não caímos nas armadilhas do imperialismo, nem de setores que se dizem democráticos e de uma parte da esquerda que devido a esses problemas retira seu apoio à resistência palestina, cedendo à pressão do imperialismo e do sionismo, ao aceitar o argumento que os palestinos são atrasados enquanto Israel é avançada, devido a algumas leis como o matrimonio LGTBQI+. Nenhuma dessas medidas pode nos fazer esquecer que Israel hoje tem o objetivo de exterminar todo o povo palestino, e que temos de estar ao lado da resistência palestina a esse intento genocida.


    [1] “A polícia israelense queria retirar as bandeiras palestinas no bairro judeu. Os judeus não permitiram isso e entraram em confronto com a polícia. A polícia israelense invadiu o bairro de Mea Shearim, onde os judeus vivem em Jerusalém, e queria retirar as bandeiras palestinas do bairro. Os judeus não permitiram isso, opuseram-se à polícia sionista e a polícia espancou brutalmente os judeus”. Publicado por Torah Judaism, 11/10/2023

    [2] Essa prisão nazista a céu aberto foi chamada de ‘gueto’ em referência aos bairros que os antigos reinos europeus da Idade Média obrigaram a que se concentrassem os judeus daquela época, para poder controlá-los melhor e submete-los a massacres (os pogroms) quando bem entendessem. Esses bairros eram chamados de guetos.

    [3] Publicado por Al Jazeera 10/10/2023.

    [4] Jenin é uma cidade na Cisjordânia, onde está um campo de refugiados  que tem se destacado por uma forte resistência aos massacres sionistas

    [5] O Irgun chegou a explodir o hotel Rei David em 1946, matando ingleses, árabes e até judeus ainda durante o mandato britânico (para assustar os ingleses pois o Irgun não concordava que se reservasse qualquer parte da Palestina aos árabes)